domingo, novembro 10, 2013

LEFFEST 2013 (dia 3)


Há uma auto-estrada que contorna a cidade de Roma, várias outras estradas radiais ligando-a ao centro da cidade. É Grande Raccordo Anulare, mais conhecida como a GRA. Foi ao guiar pelo seu asfalto que o realizador Gianfranco Rosi foi encontrando figuras e lugares que acompanhou ao longo de mais de dois anos, com eles ganhando familiaridade, filmando-os, construindo aos poucos uma realidade que dessas figuras fez personagens e desses lugares verdadeiros cenários. A realidade e o olhar que nela fez nascer pequenos quadros esbateu aquela linha que por vezes separa o documentário da ficção (e onde tem surgido algum do melhor cinema documental dos últimos tempos).

Convenhamos que é de primeira água – e quase com aquelas características únicas tão comuns na ficção – o “elenco” de figuras que o filme acompanha, algumas surgindo recorrentemente, outras aparecendo apenas em momentos de ligação entre estes episódios que aos poucos fazem destes anónimos figuras algo familiares. Entre um homem que escuta os sons de larvas em palmeiras, um travesti que informa o potencial cliente dos seus preços, um padre que tira fotos à beira da estrada ou um rebanho de ovelhas (sem pastor) que ali passa junto aos carros, Sacro Gra consegue ir para além do asfalto e, olhando em redor da estrada, descobre vidas invulgares que aqui nos visitam em apenas em breves momentos das suas vidas.

Sacro Gra não pretende ser nem um filme político sobre a Itália multicultural dos nossos dias nem um ensaio sociológico sobre vidas nas periferias de uma grande cidade, embora tanto uma como a outra realidades ali estejam também expressas. Diferente do mais plástico (e musical) The BQE de Sufjan Stevens, filme sobre uma grande estrada na zona de Nova Iorque, Sacro Gra é antes uma coleção de fragmentos das vidas que a câmara de Gianfranco Rosi capta neste percurso circular (que não tem assim um começo e um fim definidos, caminhando as imagens naquele espaço, em ciclos). Tem a região de Roma por cenário e, em alguns dos “episódios”, expressões evidentes da cultura italiana. Mas esta estrada (e estas vivências) são realidade sem fronteiras que podia morar numa outra grande do mundo, No fundo, e mesmo povoado de seres invulgares, Sacro Gra fala afinal de nós e do nosso tempo.