terça-feira, novembro 26, 2013

Em conversa: Sérgio Godinho (1 / 3)

Foto: João Messias / cedida pela Universal
Iniciamos hoje a publicação da versão integral de uma entrevista com Sérgio Godinho a propósito do lançamento, esta semana, do disco Caríssimas Canções. A entrevista serviu de base ao artigo ‘As Canções dos Outros Segundo Sérgio Godinho’, publicado na edição de 24 de novembro do DN.

Sendo autor, cantou raras vezes canções de outros em disco.
Na discografia de estúdio há de facto muito poucos casos. Há o Namoro, o Carteiro, as Endeixas a Barbara Escrava... São casos muito pontuais mesmo.

Mas em palco sempre gostou de cantar versões.
Não só gostei como no Rivolitz, na parte do Ritz Clube, canto Bob Dylan, Serge Gainsbourg e Zeca Afonso. Em espectáculos mais fora do baralho sempre fiz isso. Há um que nunca esteve em disco, o Troca por Troca que fiz no Jardim de Inverno, tinha muito repertório e inclusivamente cantava aí o Sunny Afternoon que agora está não no CD, mas no DVD. De facto sempre gostei de cantar as canções dos outros. Esta altura foi uma ocasião de outro que se proporcionou a partir de outras.

Há contudo textos que surgiram primeiro. Este foi um projeto que nasceu das palavras para os sons…
Isto foi uma espécie de ciclo que se completou. Começou por 40 crónicas que fiz no Expresso. Lembrei-me do número 40 porque era a efeméride dos 40 anos de canções. E falar das canções dos outros foi sempre uma coisa que me apaixonou. Essa partilha com amigos... Nem é preciso músico para se fazer essa partilha. Mas aqui era sistematizar e dar a ler mais que o quem muita gente saberia. Depois houve o livro, muito cuidado e bonito, com ilustrações do Nuno Saraiva. E na altura da iniciativa anual do CCB, a Carta Branca, os programadores que tinham lido o livro perguntaram se queria dar corpo aquilo, e meter aquilo em palco. E saltei em cima da proposta. Porque pareceu um caminho natural e apetecia-me cantar aquele material alheio. Não todas as canções, porque não me sentiria confortável a cantar algumas...

Como a do Klaus Nomi, por exemplo, sobre a qual escreveu…
Sim, ou Sea Song do Robert Wyatt... Há canções que são tão específicas que não podia interpretar pela minha voz. Mas podia ter uma versatilidade de interpretação em canções que me deram gozo, que seriam desafiantes para mim. O disco é uma consequência dos espetáculos do CCB e Casa da Musuca. Depois já fizemos outros. Senti que tinha de encontrar um caminho instrumental para que estas não fossem covers de bar...

Tinham de encontrar um corpo comum?
Tinhamos de encontrar um corpo mas que ao mesmo tempo fosse algo com muito poucos músicos, mais descarnado e que desse a essência das canções.

Fez algo semelhante em tempos no Instituto Franco Português, de onde nasceria o disco Escritor de Canções.
Embora aí fosse mais monocolor em termos de instrumentação. Com o Nuno Rafael começamos a pensar numa coisa mais crua, menos vestida...

Um pouco como se fosse uma lógica de música de câmara...
Sim, sim... Tinha vontade de trabalhar outra vez com o Hélder [Gonçalves]. Pusemos-lhe essa hipótese e a Manuela entrou naturalmente. Ela tem muita vontade de sair do seu “poleiro” de protagonista vocal dos Clã. Toca vários instrumentos, respira música por todos os poros, faz segundas vozes... E em palco de facto brilha de uma maneira especial. Depois cada caso foi um caso. Houve canções em que nos aproximamos do propósito e do som inicial, como é o caso dos Doors ou do Elvis. Mas há outras versões como o Vendaval ou o Sampa, em que mudamos os tempos e a colocação das frases fica alterada... Há canções que são muito diferentes do original nos arranjos. Outras muito próximas, como no Heartbreak Hotel. E aí, no final, até faço uma coisa ligeiramente humorística que é cantar um pouco à Elvis Presley.

Como faz também, com o Tony de Matos…
Sim, mas só no fim. Eu canto ao contrário do Tony de Matos, sempre por baixo, de maneira serena. Ele é uma coisa única. Se fosse na Argentina seria um tanguista. No fim até dizia em palco que tinha prometido não cantar à Tony de matos mas que aquilo tinha sido um deslize. Este espetáculo tinha muita conversa... Há alguns casos nos quais leio um bocado da crónica dentro da canção. Nos Doors também faço um bocadinho isso. Mas não faria sentido mostrar mais no disco. O caso d’Os Vampiros é uma versão que não tem nada a ver com a versão original, maravilhosa, do Zeca. A importância da canção continua a existir, até porque até digo que está terrivelmente atual.

Com uma canção de outro tempo procura assim uma mensagem para o presente?
E era um dos momentos altos dos concertos. Até plasticamente, porque a iluminação muda. Aí queria uma versão mais dura, mais rasgada. Parece estar com um peso sempre presente... Houve muito trabalho, mas também muita inspiração. E aqui estou a falar deles os três.

(continua)