segunda-feira, outubro 28, 2013

Novas edições:
Arcade Fire, Reflektor

Arcade Fire 
“Reflektor” 
Merge / Universal 
4 / 5

Há dez anos eram uma banda oriunda de Montreal (no Canadá), com um promissor EP de estreia que muitos só (re)descobriram depois do fenómeno de aclamação crítica gerado em 2004 pelo álbum de estreia. Uma década depois, e perante um cenário discográfico que ainda tem pela frente um álbum de Lady Gaga, uma nova antologia de gravações na BBC dos Beatles ou um registo ao vivo dos Rolling Stones, Reflektor, dos Arcade Fire, a editar segunda-feira, tem tudo para ser o disco de que mais de vai falar nesta reta final de 2013.
Curiosamente o ano não tinha começado bem para o grupo. Em janeiro o telhado da igreja que até aqui tinha funcionado como o seu estúdio, colapsava, obrigando-os a procurar novas casas, entre outros tendo passado pelos espaços da DFA Records, de James Murphy. Em julho confirmavam via Twitter que editariam novo disco no outono. E em inícios de setembro Reflektor, uma espantosa canção de sete minutos (com participações de James Murphy, Owen Pallet e David Bowie) revelava uma mais evidente presença de eletrónicas e um fulgor rítmico apreendido na música de dança, confirmando que o regresso acontecia com o delicioso sabor a algo novo. Um filme de 20 minutos, de Roman Coppola, com presenças de figuras como Bono ou Ben Stiller, apresentaram pouco depois mais algumas novas canções... E a cada novo tema a noção de novidade ganhava um viço capaz de entusiasmar quase como o havia feito o disco de 2004.
A história dos Arcade Fire nunca tinha conhecido um tão vincado mergulho para além do rock de caracter épico e dos arranjos de dimensão sinfonista que caracterizaram a estreia em Funeral (2004) e o sucessor em continuidade que nascera depois em Neon Bible (2006). Editado em 2010, The Suburbs recuara na ousadia rumo a um encontro com valores mais clássicos da cultura rock, revelando contudo o empolgante Sprawl II, sinais de um relacionamento com as electrónicas que, não imaginávamos na altura, acabou por estabelecer uma ponte com o que agora escutamos em Reflektor.
Fique contudo claro que o quarto álbum dos Arcade Fire nem é um disco de música eletrónica nem mesmo um álbum criado a pensar na pista de dança. Estamos antes perante um disco que nasce de uma vivência na cultura indie rock mas que abre mais que nunca os horizontes à presença de sintetizadores (sob ecos de sonoridades dos anos 80, como se escuta em Exist, Porno ou Afterlife, o novo single pelo qual passam ecos dos espaços por onde os New Order já caminharam - escute-se Temptation) e das percussões.
Com uma aquitetura rítmica bem definida pela produção, arranjos elaborados e sem perder o gosto pelo grande e o eloquente, Reflektor é um álbum capaz de seduzir o gosto alternativo e está a ser trabalhado por uma campanha (que inclui mesmo iconografia da cultura vudu haitiana) que o não deixará a leste das atenções do público mainstream.
Raras foram as bandas que, vivendo o sucesso num patamar de dimensão global, arriscaram mudar de rumo para se reinventar. Os Beatles fizeram-no, é verdade, e várias vezes. Os U2 também, ao som de Achtung Baby e Zooropa. Podemos até falar dos Radiohead na etapa Kid A / Amnesiac... Talvez não seja tão ostensiva a mudança que Reflektor propõe face à obra anterior dos Arcade Fire. Mas perante um álbum de relativamente banal relação com paradigmas do rock clássico (ou seja, o popular, mas musicalmente menos inventivo The Suburbs), o novo disco do grupo canadiano é uma das boas notícias que o mundo da música popular nos traz nesta reta final de 2013. A presença do ex-LCD Soundsystem James Murphy na equipa de produção (e recorde-se que Win e Regine Butler cantaram no concerto de despedida do seu grupo e que em 2007 editaram juntos um split-single) expressa-se numa mais firme relação com as eletrónicas e uma mais vincada expressão das percussões. O alargamento das canções a outros universos (como o dub em Flashbulb Eyes , um piscar de olhos ao glam rock em Joan of Arc, um flirt mais ambiental em Supersymmetry ou um festim quase pop em Here Comes The Night Time) contribui também para a criação de um álbum duplo que, entre um disco 1 mais efusivo e um disco 2 mais implosivo, confirma nos Arcade Fire de 2013 um caso de saudável reinvenção. Não repete o patamar do disco de 2004. Mas é o melhor que editam desde então.

PS. Este texto é a versão editada (e aumentada) de dois outros originalmente publicados na edição de  24 de outubro do DN sob o título 'Ao quarto álbum os Arcade Fire recuperam o viço que os viu nascer'.