terça-feira, outubro 15, 2013

John Frey e o trabalho dos actores

O americano John Frey criou o grupo de teatro Below the Belt: a estreia da peça Danny e o Profundo Mar Azul (Teatro Turim, até 26 Outubro) é o resultado de um longo trabalho, em Portugal, com actores portugueses — esta entrevista foi publicada no Diário de Notícias (9 Outubro), com o título 'No trabalho dos actores os sentimentos não mentem'.

Porquê a escolha de Danny e o Profundo Mar Azul, de John Patrick Shanley, para apresentação pública do grupo Below the Belt?
Tenho uma enorme admiração por John Patrick Shanley, nomeadamente as suas primeiras peças como Welcome to the Moon e Danny e o Profundo Mar Azul, ou ainda Dúvida, que ele depois transformou em filme. Shanley é do Bronx, Nova Iorque, tal como eu – por isso mesmo, sinto uma profunda afinidade com a sua escrita. Embora não especifiquemos onde se passa a acção, a peça tem muito a ver com o Bronx, um lugar muito duro, louco, violento e... divertido. É uma vida que conheço muito bem.

Podemos definir Shanley como um autor realista?
Creio que sim, sem esquecer que ele usa a imaginação para criar drama. Shanley parte de uma determinada realidade e, depois, introduz factores imaginários para gerar intensidades dramáticas. O seu filme Joe Contra o Vulcão pode ser um bom exemplo. No caso de Danny, ele diz que tudo se passa num “ambiente surrealista”, mas as personagens são muito realistas, têm muito a ver com o mundo católico de raiz irlandesa de onde ele provém: ele é um tipo violento à procura da sua verdade, ela uma rapariga abusada... enfim, são duas pessoas à procura do amor.

Há alguma relação com o presente português?
Numa perspectiva económica, não. Mas no sentido humano, não tenho dúvidas que sim.

Sendo uma peça sobre um par, haverá também alguma relação com os muitos pares do cinema clássico americano?
Sim, se os observarmos como ícones americanos. Ele é o típico anti-herói, solitário, marginal, à deriva, tentando encontrar uma ligação humana. Ela é a mulher destruída, vulnerável, perdida...

Como é que a sua experiência, dirigindo uma escola de representação, se transformou, agora, no Below the Belt, um grupo de teatro?
Muitos dos actores do grupo vieram da minha escola, mas essa não é uma condição obrigatória. O que ensino é a Técnica de Meisner, de Sanford Meisner [1905 -1997], que tem a ver com um estilo de representação muito emocional, trabalhando o momento de uma forma que envolve espontaneidade, um pouco de perigo, imprevisibilidade e... verdade!

Especificamente, o que é que a Técnica de Meisner exige do actor?
Exige que o actor seja verdadeiro, sem fingimentos. Nesse sentido, não é uma arte de representar, mas de... não representar. Trata-se de aprender a ser verdadeiro, com profundidade emocional e paixão, trabalhando a partir dos sentimentos e impulsos. Os sentimentos não mentem.

E o pensamento?
Pode ser manipulado. Não creio que pensemos a verdade – sentimo-la.

Que impressão geral tem dos actores portugueses?
Sinto que têm um potencial enorme e, por isso mesmo, gosto muito de trabalhar com eles: têm paixão e ânsia de aprender. Por vezes, creio que são demasiado cerebrais: o que têm na cabeça bloqueia o que está no coração.

Em que filmes recentes sentiu a marca da Técnica de Meisner?
Recentes? Eu fiquei nos filmes dos anos 70... Gostei muito de Vergonha, de Steve McQueen. E de Joaquin Phoenix, em The Master, de Paul Thomas Anderson.