Como a herança de um mito se reflecte na vida de um dos seus imitadores. Ou ainda: a reinvenção da figura de Elvis Presley em tom argentino — este texto foi publicado no Diário de Notícias (17 Setembro), com o título 'A herança de Elvis Presley recriada por um imitador profissional'.
Elvis Presley faleceu no dia 16 de Agosto de 1977, contava 42 anos. E se é verdade que a sua música constitui um capítulo à parte na história do pop/rock, não é menos verdade que as suas memórias continuam a existir como um misto de nostalgia e assombramento, sempre atravessado por um desejo revivalista. O filme argentino O Último Elvis, realizado por Armando Bo, é um produto original de tais sentimentos, não tanto porque evoca o “Rei”, mas sim porque conta a história de um homem que poderíamos definir como um dos seus fiéis súbditos: um imitador profissional de Elvis cuja existência começa a oscilar entre o gosto da imitação e a “coincidência” doentia com a figura imitada.
Não se trata de um filme sobre a herança artística de Elvis. Aliás, no genérico final, os produtores têm o cuidado de esclarecer que O Último Elvis se pretende uma homenagem aos imitadores profissionais, não tendo sido utilizadas quaisquer gravações de Elvis.
Quem canta, então, canções emblemáticas como Always on My Mind, Burning Love ou Unchained Melody? Pois bem, é o próprio John McInerny, intérprete da personagem central, de nacionalidade argentina, formado em arquitectura e... imitador de Elvis. Não um imitador de karaoke, mas um artista empenhadíssimo na sua tarefa: em 2005, McInerny criou a banda “Elvis Vive”, apostada em recriar os concertos de Elvis na década de 70, copiando o respectivo guarda-roupa e utilizando instrumentos idênticos; em 2007, o grupo lançou o seu primeiro álbum, incluindo grandes sucessos de Elvis, alguns temas que ele nunca cantou e ainda uma composição inédita (do próprio McInerny) que emprestava o título à colectânea: Breaking Hearts. Nesse mesmo ano, a BBC considerou “Elvis Vive” como a melhor banda-tributo originária da América latina.
Ao convidar McInerny para actor do seu filme, o realizador não quis, obviamente, fazer um retrato documental. Ele interpreta Carlos Gutiérrez (que prefere que o chamem apenas... “Elvis”), afinal uma figura tendencialmente trágica, com uma família a desfazer-se, um emprego que rejeita e essa vontade delirante de se fundir por completo com o seu herói musical.
O Último Elvis é a primeira longa-metragem de Armando Bo, depois de cerca de uma década como prestigiado realizador de publicidade. Nascido em Buenos Aires, em 1978, surge, assim, a prolongar uma tradição cinematográfica que passa também por uma riquíssima história familiar. Ele é neto de outro Armando Bo (1914-1981) – actor, realizador e produtor, vedeta de muitos sucessos das décadas de 50/60, alguns deles célebres pelo pioneirismo das suas cenas de nudez – e filho de Victor Bo (n. 1943), produtor e actor, praticamente retirado desde finais dos anos 80.