quarta-feira, outubro 02, 2013

"Diana": a princesa, o mito e a actriz

Como filmar a princesa Diana? Ou ainda: como filmar a partir das imagens da princesa Diana? O filme de Oliver Hirschbiegel, protagonizado por Naomi Watts, traz-nos algumas respostas contidas e subtis — este texto foi publicado no Diário de Notícias (26 Setembro).

Num certo sentido, um filme sobre a princesa Diana, estava condenado a ser um falhanço. Falhanço ambíguo e... muito interessante. Assim, a pressão do imaginário dos “famosos” imporia sempre uma espécie de punição simbólica: que tem o filme a dizer que reverta “contra” os protagonistas que partilharam a sua existência? Ao mesmo tempo, a condição mitológica da personagem, com todas as conotações de dramatismo diverso (“realeza”, “poder”, “paixão”, “traição”, “maternidade”, etc.) pareceria talhada para satisfazer a ideologia redentora da imprensa mais obscena: que detalhes escabrosos o filme tem para revelar?
Com salutar inteligência, o filme Diana ignora olimpicamente tais hipóteses. Desde logo, porque grande parte da acção se concentra na relação com o médico Hasnat Khan, personagem discreta das narrativas correntes sobre a sua vida (e a sua morte). Depois, porque as relações com a família real britânica são claramente secundarizadas. Enfim, porque aquilo que sobra deste esvaziamento é uma imensa solidão que o realizador Oliver Hirschbiegel encena sem qualquer suplemento metafísico, reduzindo-a à crueza de uma mulher assombrada pela avalancha das suas próprias imagens.
Não estamos, entenda-se, perante uma “Joana D’Arc” contemporânea – há mesmo sugestões, suaves mas incisivas, de cumplicidade de Diana com alguns dos que produziam as suas imagens “privadas”. Em última instância, Diana é o retrato íntimo de uma mulher devorada pela sua figuração mediática. Sem recorrer à exuberância fácil da sua composição em O Impossível, Naomi Watts consegue representar tal despojamento até ao mais puro vazio trágico. Mas não tenhamos ilusões: vivemos tempos em que uma actriz que corre riscos vale sempre menos do que uma princesa “cor de rosa”.