domingo, outubro 20, 2013

Cristiano Ronaldo e os jogos de aparências

Primeiro, os efeitos (ou a sua ausência) de uma declaração de Cristiano Ronaldo; depois, um caso exemplar de representação televisiva da moda; enfim, o melhor do humor de Herman José — esta crónica de televisão foi publicada no Diário de Notícias (18 Outubro), com o título 'Jogos de aparências'.

1. Numa entrevista no final do jogo Portugal-Israel, Cristiano Ronaldo manifestou o seu cepticismo face à possibilidade de encontrar a selecção francesa no “play-off” de acesso ao Mundial de 2014. Insinuou mesmo que o envolvimento da França em tal disputa poderá não ser muito transparente, não adiantando mais “para não ser castigado”... Não é difícil imaginar o que aconteceria se algum político de quinta ordem viesse sugerir que a mulher a dias da sua junta de freguesia andava a falsificar os recibos verdes – teríamos, pelo menos, três meses de fait divers. Que haja um jogador, dito “o melhor do mundo”, que deixa no ar dúvidas sobre a integridade das entidades que gerem o planeta do futebol, eis uma peripécia sem conteúdo... Basta deixar circular as aparências. E, já agora, ajuda a esquecer que a actual selecção parece uma equipa da terceira divisão.

2. Há aparências felizes. Sobretudo quando se trata de compreender como a encenação não é o contrário da verdade. Exemplo? O salutar efeito pedagógico de Projecto Runway (SIC Mulher), apresentado por Heidi Klum e Tim Gunn: um concurso para candidatos a estilistas de moda que acaba por contrariar o lugar-comum moralista segundo o qual há guarda-roupa de pose e outro... neutral. Nada disso: tudo é pose. Ou melhor: tudo é código. Daí a democracia analítica do programa: seja o mais elaborado vestido de noite, seja a mais casual t-shirt, o vestuário define sempre uma identidade. A moda pode ser também a arte de reinventar esse processo.

3. A admirável personagem de Nelo regressou ao Herman 2013 (RTP1). Agora sem a preciosa Idália (Maria Rueff), Nelo tem a companhia do fidelíssimo José Carlos (Manuel Marques) para comentar a imprensa cor de rosa, cultivando sempre a aparência da mais contundente virilidade. É, por certo, em anos recentes, um dos momentos maiores do humor de Herman José, baralhando os códigos de percepção da sexualidade e reduzindo a pó a mediocridade mediática que sustenta o imaginário pueril dos “famosos”.