domingo, setembro 22, 2013

Queer Lisboa 17 (dia 3)

Está a decorrer no Cinema São Jorge o Queer Lisboa 17, a edição de 2013 do Festival Internacional de Cinema Queer. Aqui podem encontrar link para a programação de hoje. Já a seguir ficam destaques para duas das sessões de hoje e ainda mais dois textos de minha autoria que integram catálogo (e a sua expressão online) e que correspondem a filmes que poderão ver hoje.

Pelas 22.00 passa, em estreia nacional, o filme E Agora? Lembra-me, de Joaquim Pinto, recentemente premiado em Locarno e claramente um dos filmes do ano. Documentário auto-biográfico, assinala também o reencontro das nossas salas com a obra de um cineasta notável, autor de filmes magníficos (e injustificadamente ausentes do circuito de DVD) como Onde Bate o Sol ou Uma Pedra No Bolso.

The Knife
Perfume Genius
The Hidden Cameras
Também hoje é apresentada a primeira das duas sessões do programa Queer Pop do Queer Lisboa 17. Trata-se de um panorama que propõe alguns telediscos produzidos ao longo do último ano, passando pelas reflexões sobre identidade de género dos The Knife, uma animação para os Sigur Rós ou ainda ecos do belíssimo segundo álbum de Perfume Genius. A grande estreia desta sessão é Gay Goth Scene, teledisco do mais recente single dos The Hidden Cameras, e aperitivo pata o álbum Age a editar no outono. Trata-se de um pequeno filme sobre bullying, apresentado na forma de um teledisco que tem estado a ser estreado em festivais de cinema e não está ainda disponível na Internet.




Me @ The Zoo
(Sala Manoel de Oliveira, 17.15)

A 10 de Setembro de 2007 um rapazito de 19 anos colocava na Internet um vídeo no qual, entre lágrimas quase convulsivas, pedia que deixassem Britney Spears em paz, respondendo assim às críticas que tinham surgido na sequência da actuação da cantora nos MTV Music Video Awards, dias antes, em Las Vegas... As imagens de Chris Crocker a implorar “Leave Britney Alone” correram mundo e alcançaram num ápice milhões de visualizações, fazendo desse um dos mais célebres vídeos virais da história e tornando o que era já uma pequena celebridade online num dos mais visíveis fenómenos de uma nova era da comunicação.

Me @ The Zoo propõe um retrato de um dos mais célebres vídeo bloggers (que, apesar de uma primeira etapa no MySpace, foi no YouTube que disponibilizou os seus vídeos mais visitados). Toma como ponto de partida a figura de um jovem gay, andrógino e provocador, residindo no espaço longe de tolerante de uma pequena cidade rural norte-americana (em concreto no Tennessee) e que, entretanto, encetou uma carreira discográfica e, mais recentemente, tem trabalhado na indústria do porno. Observa o seu espaço de vida privada, em casa dos avós, entre posters de Britney Spears. Reflecte sobre a celebridade fulminante, as luzes das passadeiras e dos estúdios de televisão, que convivem aqui com a ressaca que a exposição pode comportar.

Às imagens captadas pelos realizadores o filme junta outras, de muitos dos seus vídeos, assim como atenta a outras que traduzem as consequências que estes desencadearam. Mas Me @ The Zoo, que faz frequentes flirts com a linguagem destas plataformas de comunicação visual na Internet, celebra igualmente a era da comunicação online, os fenómenos de encantamento, mimetismo, mas também de ódios que se expressam com violência, que estas janelas abrem ao mundo.




A Volta da Pauliceia Desvairada
(Sala 3, 21.30)

Carão? É uma pessoa que, em plena noite, se comporta como se fosse famosa. Bapho é algo maravilhoso. Close é qualquer coisa que corre mal. Amapô é mulher e bofe é homem. Badalo? É como quem diz “que loucura!”... Estas são apenas algumas das palavras da gíria usada por quem anda pela noite paulista. Umas expressões têm anos de vida. Outras, como “bonsdrink” chegaram mais recentemente via YouTube (esta em concreto de um vídeo viral de Luisa Marilac). E fazem parte de um desfile de palavras e significados que podemos descobrir em A Volta da Pauliceia Desvairada documentário que procura arrumar, segundo várias regras sistemáticas, um retrato da enorme variedade que habita a noite gay e lésbica da cidade de São Paulo.

Apesar de centrado em retratos e vivências do presente, escutando o que dizem os DJs, porteiros, entertainers e público, o filme não esquece a memória, sobretudo do Madame Satã, um espaço mítico da cultura nocturna da São Paulo dos anos 80, num tempo em que, sob ditadura, a busca de liberdade encontrava outros caminhos e manobras para se expressar. “Hoje está tudo mais careta”, chega mesmo a confessar alguém que viveu esses dias.

Arrumar é mesmo o verbo que mais bem caracteriza o filme. Começamos por fazer um percurso dos bares e discotecas em função dos dias da semana em que mais dão que falar. E pelo caminho reparamos no que leva as pessoas a sair (há quem busque hedonismo, há quem procure sexo, há quem prefira a bebida). Fala-se da música que se dança. Do visual que vinca a personalidade de cada um. Do que pensam do amor...

Há quem aqui defenda que a noite é “o lugar que pode maximizar e libertar as pessoas”. E o filme acaba por ser a celebração dessa visão e da busca da liberdade de cada um. Deixa um retrato de festa e alegria. Mas no fim sobra uma questão. É tudo feliz ali?