quinta-feira, setembro 26, 2013

Discos pe(r)didos: Cazuza, Ideologia

Cazuza
“Ideologia”
Universal
(1988)

Há dias, no Rio de Janeiro, via uma homenagem a Cazuza integrada na edição deste ano do Rock in Rio. Pelo palco passaram nomes como Frejat (antigo parceiro do músico nos Barão Vermelho), Bebel Gilberto, Maria Gadú ou Jota Quest, mas a estrela da noite foi mesmo Ney Matogrosso que, entre as três canções que reinventou incluiu o histórico Brasil, tema que em tudo traduz uma visão do país (com ressonâncias com o presente) que recordou uma perspetiva da música como uma realidade animada por uma alma política que fez de Cazuza uma das mais importantes figuras do movimento rock que ali floresceu nos anos 80. A canção integrava o alinhamento de Ideologia, talvez o álbum de estúdio mais bem sucedido da carreira a solo de Cazuza mas, como a sua demais obra, relativamente desconhecida deste lado do Atlântico. E como mais vale tarde que nunca, mergulhemos então entre as memórias desse disco de 1988 que logo na capa deixa registado todo um programa iconográfico, retratando simbologias (algumas de origem antiga) que traduzem modos de pensar e agir que conduziram muitas das maneiras de pensar do século XX (umas ainda bem atuais), tendo então gerado até alguma controvérsia a junção, num mesmo espaço, da estrela de David e da suástica. O álbum, o terceiro a solo de Cazuza depois de uma primeira metade dos oitentas vivida a bordo dos Barão Vermelho, chegou na sequência de um tempo de reflexão profunda que certamente se seguiu não apenas ao diagnóstico de uma infeção com o VIH (feito em 1985, mas só tornado pública em 1989) mas a uma hospitalização em 1987 que o levou a um tratamento nos EUA. O disco reflete assim um tempo de incertezas e de profundo desencanto, o tema-título começando mesmo por ouvi-lo a dizer Meu partido / É um coração partido / E as ilusões / Estão todas perdidas / Os meus sonhos / Foram todos vendidos / Tão barato / Que eu nem acredito / Ah! eu nem acredito... Acrescenta depois que o seu prazer “é agora risco de vida”, que os seus “heróis morreram de overdose”, vestindo ainda a pele de um “garoto que queria mudar o mundo” mas agora “assiste a tudo em cima do muro”... Não será todavia este um canto de desistência, das fragilidades e de um fim que soube mais próximo nascendo mesmo assim um álbum de grande fôlego poético, instrumentalmente herdeiro dos caminhos que vinha a tomar (e também sob evidentes marcas do estilo de produção vigente no som pop/rock de então) e que tem em Brasil outro momento-chave que, 25 anos depois, parece estranhamente atual perante mapa dos noticiários que dali nos chegam. O concerto de homenagem deixou mesmo claro que, fosse vivo, Cazuza estaria a gostar de ver a contestação que tem marcado os últimos meses da vida nas ruas de muitas cidades do país.