sexta-feira, agosto 16, 2013

"Wallander" ou o respeito dos actores

Produzida pela BBC, a série policial Wallander continua a ser um caso exemplar de exigência dramatúrgica — este texto foi publicado no Diário de Notícias (9 Agosto), com o título 'Para descobrir Kurt Wallander'.

Para lá das peripécias mais ou menos vibrantes ou enigmáticas, uma série de televisão é também uma atmosfera, um modo particular de sentir o espaço e sinalizar o tempo. Será que podemos evocar, por exemplo, Anjos na América (2003) e dizer apenas que é uma série “sobre” a eclosão da sida?
A mera identificação do tema, por mais sério ou perturbante, revela-se sempre insuficiente. Pensamos em Anjos na América, justamente, e lembramo-nos da máscara de dor de Al Pacino, das desconcertantes transfigurações de Meryl Streep, do anjo interpretado por Emma Thompson... Dito de outro modo: há todo um aparato de informações (que podem ir das mais complexas ideias abstractas aos mais delicados gestos de uma personagem) indissociável daquilo que vemos, do modo como olhamos e escutamos.
Vem isto a propósito de Wallander (AXN Black), série baseada nos romances do autor sueco Henning Mankell sobre as investigações de Kurt Wallander, inspector de polícia. Existe uma primeira série produzida na Suécia, também já vista entre nós, sendo esta de origem inglesa, com chancela da BBC.
O mínimo que se pode dizer do universo de Wallander é que há nele um cinzentismo que lhe confere uma peculiar envolvência emocional (aliás, a fotografia, embora a cores, é de um realismo seco e desencantado, avesso a cores quentes). E se é verdade que a acção de cada episódio envolve sempre um crime por desvendar, não é menos verdade que o essencial se joga através de um dimensão muito física gerada pelo efeito conjugado do cansaço dos rostos, do desgaste dos objectos ou das incongruências das paisagens.
Tudo isto adquire a sua expressão mais pura no elenco liderado por Kenneth Branagh, no papel de Wallander, contracenando com gente tão talentosa como Tom Hiddleston (que vimos na obra-prima de Terence Davis, O Profundo Mar Azul) ou o veterano David Warner (interpretando o pai de Wallander). É sempre bom descobrir narrativas televisivas que respeitam os actores e, através deles, a pluralidade do factor humano.