sexta-feira, agosto 23, 2013

Que Cinemateca... ou que política cultural?

Mais algumas palavras sobre o actual momento da Cinemateca. Ou como se trata de enfrentar questões de fundo que, globalmente, direitas e esquerdas têm escolhido ignorar — este texto foi publicado no Diário de Notícias (22 Agosto), com o título 'A política cultural que não há'.

A situação da Cinemateca nasce dos desequilíbrios estéticos do nosso Portugal democrático: eis um país cujo quotidiano vive todos os dias, há longos anos, ocupado pelos muitos horrores da “reality TV”, ao mesmo tempo que uma instituição com a história e o património da Cinemateca está a discutir a sua sobrevivência.
Num país assim, não se pode esperar que algum político se mostre ansioso pela periclitante situação financeira a que chegou a Cinemateca. Seria, por isso, excessivo concentrar no actual Secretário de Estado da Cultura, e no seu papel efémero nesta tragédia, as “culpas” da actual conjuntura. Devo mesmo dizer que acredito na sua boa fé quando declara que “estão a ser asseguradas” as medidas para “garantir o funcionamento da Cinemateca”. A questão é outra. Tem a ver com o facto de “garantir o funcionamento” do que quer que seja se ter tornado o sintoma patético de um problema de fundo: a ausência de uma política cultural merecedora desse nome. Direitas e esquerdas são cúmplices dessa ausência, mesmo se, apesar de tudo, há um contraponto possível: de Francisco Lucas Pires a Gabriela Canavilhas, não faltam exemplos históricos de personalidades que passaram pela cena política com projectos e dedicação para aplicar na gestão cultural do país.
Acontece que a generalizada ausência de ideias políticas para a cultura (e de ideias culturais para a política) faz com que instituições como a Cinemateca não passem de pruridos descartáveis a que se pode sempre conceder uma heróica “garantia de funcionamento”. Para quê lembrar que, entre outras coisas, está em causa um arquivo riquíssimo, concebido com uma modelar estrutura humana e técnica? Uma sociedade assim perde, todos os dias, o gosto pela memória. Mas funciona. Este é o tempo da cultura funcional.