Tempos houve em que a expressão "a luta continua" inscrevia no espaço das relações quotidianas uma conotação inequivocamente política. Em boa verdade, desde a iconografia ligada à lógica libertária do Maio 68 francês [imagem aqui em baixo] até às palavras de ordem de todas as esquerdas, assumindo ou não a sua genealogia comunista, ninguém ficava impune à contundência de um qualquer "a luta continua" — o mundo que o proferia dava conta da sua insatisfação política; aquele que a escutava detectava uma clara fronteira de separação simbólica entre esse mundo e o seu "exterior".
O empobrecimento da nossa identidade cultural mede-se também pelas derivações a que são sujeitos os discursos mais ou menos contestatários — a começar, claro, pelo império da publicidade que promove telemóveis ou cervejas para um público encenado como o cúmulo da acção directa e anarquista. A paisagem futebolística não é, obviamente, estranha à desagregação simbólica que acompanha tudo isso, a ponto de haver um jornal que vem descrever (?) o conflito entre um clube e um jogador como um processo em que... a luta continua.
Pormenor a não menosprezar: tendo em conta o antetítulo — "Benfica não está disposto a ceder" —, verificamos que a palavra de ordem que, em princípio, remetia para o "povo" ou alguma entidade contestatária, surge agora atribuída à entidade empregadora. O que, convenhamos, apenas agrava a miséria simbólica a que, nas últimas semanas, tem sido reduzido o jogador que faz figura de actor principal de tudo isto.