É verdade: os cowboys e os índios não desapareceram do mundo do espectáculo, quer dizer, das narrativas de Hollywood. A prova, eloquente e empolgante, chama-se O Mascarilha — este texto foi publicado no Diário de Notícias (7 Agosto), com o título 'O prazer primitivo do cinema...'.
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Ao contrário do que proclama o anti-americanismo primário, Hollywood continua a ser um admirável forum criativo, de uma pluralidade salutarmente contraditória. Importa não confundir a estupidez larvar a que chegaram alguns “blockbusters” provenientes de Hollywood (este Verão têm surgido alguns exemplos lamentáveis) com a energia artística de uma indústria que, além do mais, nas últimas décadas, de Steven Spielberg a Jim Carrey, tem sabido reinvestir e recriar muitas das suas memórias. É o que acontece, justamente, neste espectáculo de maravilhosa exuberância que dá pelo nome de O Mascarilha, realizado por Gore Verbinski.
À maneira clássica, tudo passa por um impecável elenco em que o glamour de Armie Hammer (Mascarilha) se combina eficazmente com a pose surreal de Johnny Depp (Tonto), sem esquecer o sofisticado barroquismo de William Fichtner ou Helena Bonham Carter, compondo, respectivamente, um bandido canibal e uma proprietária de um bordel que tem uma perna de marfim…
O legado de Hollywood que aqui se renova nada tem a ver com a mera acumulação de efeitos especiais (sem prejuízo de reconhecermos que O Mascarilha é também um delirante prodígio técnico). Passa, isso sim, pela inteligência de um argumento (cuja redacção final pertenceu a Justin Haythe) em que a evocação do velho Oeste nunca perde de vista duas fundamentais linhas de força: uma é visceralmente ideológica, tem a ver com a necessidade de devolver aos índios a sua dignidade histórica e permanece, desde Cheyenne Autumn/O Grande Combate (1964), de John Ford, como um incontornável assombramento; a outra resulta da própria identidade nacional e impõe uma reformulação constante das relações entre os factos e a lenda. O cruzamento de tudo isso dá-se num lugar que se confunde com o prazer primitivo do cinema.