Até Ver a Luz, primeira longa-metragem de Basil da Cunha, prolonga a lógica documental, e também o desejo de ficção, das suas experiências em formato curto — este texto foi publicado no Diário de Notícias (24 Agosto), com o título 'O espaço, o tempo e o realismo'.
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São muito variadas as experiências que têm procurado devolver ao cinema a intensidade de algum realismo. Até Ver a Luz, de Basil da Cunha, é mais um curioso exemplo dessa vontade de reencontrar a vibração primordial dos corpos e a verdade material de objectos e lugares.
Problema complexo, sem dúvida, desde logo porque envolve alguma resistência ao “naturalismo” determinista de muita informação televisiva, mas também porque não podemos reduzi-lo às propostas de um cinema mais ou menos “independente”. Observe-se a ansiedade realista de alguns “blockbusters” (Elysium, de Neill Blomkamp, pode servir de sintoma) e o modo como, melhor ou pior, nela se exprime a consciência da saturação do cinema dito de “efeitos especiais”.
Para além das suas diferenças de produção, muitos desses filmes, incluindo Até Ver a Luz, revelam uma contradição desconcertante: procuram a dimensão humana de qualquer relação, ao mesmo tempo cedendo a uma espécie de esperanto tecnológico da “velocidade” (câmara à mão, aceleração de montagem, etc.) que, não poucas vezes, retira ao espectador o prazer de ver e admirar a duração concreta daquilo que está a acontecer.
Não pretendo minimizar a sinceridade de Até Ver a Luz, muito menos os momentos de genuína emoção que Basil da Cunha consegue gerar com os seus actores não profissionais. O que está em causa é uma tendência transversal do cinema contemporâneo, ligado a culturas e economias muito diversas. A saber: o abandono da noção mais básica (e mais cinematográfica) de “plano” como unidade vital de construção formal do espaço e gestão narrativa do tempo. Como se este cinema que nos quer mostrar o que nunca vimos, secundarizasse a própria dúvida que o faz nascer: como partilhar a visão do filme com o olhar do espectador?