Num contexto em que algum "jornalismo" inócuo, devidamente prolongado pela "cinefilia" gratuita que inunda a Net, debita os números do mercado sem avaliar, caso a caso, os respectivos significados, importa sublinhar a proeza de exibição do filme A Gaiola Dourada: mais de 60 mil espectadores no arranque do primeiro fim de semana — é, de facto, no actual contexto português, um valor francamente invulgar.
Não, não se trata de promover uma visão economicista do cinema (seja qual for a sua nacionalidade). Nem se pretende favorecer a muito antiga estupidez que quer reduzir a infinita complexidade das linguagens cinematográficas (e da sua história) ao deve & haver das bilheteiras.
A Gaiola Dourada é um objecto bem simpático, de uma alegria contagiante. Mas, no contexto destas linhas, trata-se apenas de sublinhar um dado que, infelizmente, alguns agentes do mercado têm menosprezado de forma mais ou menos sistemática. A saber: esse mesmo mercado não pode viver exclusivamente do impacto de três ou quatro "blockbusters" por ano (quando eles têm impacto...). Mais do que nunca, importa trabalhar todas as formas de diversidade (de expressão, de modelos de espectáculo), na certeza de que essa diversidade só pode beneficiar todos os envolvidos, desde as empresas que difundem filmes até aos espectadores que os procuram.
Para além das respeitáveis especificidades de A Gaiola Dourada, o seu sucesso é também o resultado de uma divulgação & promoção pensada (e executada) em função dessas especificidades, não "imitando" opções de marketing copiadas de "blockbusters" americanos. Isto sem prejuízo de reconhecermos que alguns desses "blockbusters" podem ser admiráveis acontecimentos de cinema...