Com Batalha do Pacífico/Pacific Rim, Guillermo del Toro aposta numa configuração aventurosa em que a dimensão humana tende a ser devorada pelo poder iconográfico dos robots... Para onde vai este cinema industrial? — este texto foi publicado no Diário de Notícias (22 Julho), com o título 'Guillermo del Toro propõe aventura à maneira japonesa'.
Quando vemos as imagens do filme Batalha do Pacífico (Pacific Rim), é quase inevitável pensarmos em universos enraizados no imaginário da banda desenhada e, muito em particular, na sua tradição japonesa (“manga”). Por um lado, os gigantescos monstros que vêm de uma espécie de dimensão alternativa, desembocando num “portal” do fundo do Oceano Pacífico, fazem lembrar o clássico Godzilla, desde os anos 50 uma referência de culto na produção mais popular do cinema japonês; são, aliás, chamados “kaijus”, precisamente a palavra japonesa que designa os “monstros” ou, de um modo geral, as “criaturas estranhas”. Por outro lado, os robots que os enfrentam, denominados “jaeger” (em alemão, a infantaria militar), são também figuras de tamanho imponente, funcionando com dois seres humanos no seu interior: mais do que pilotos, eles organizam-se como dois sistemas nervosos cuja “união” lhes confere especial energia e determinação.
Mesmo com todas as referências que remetem para um certo imaginário asiático da aventura, Batalha do Pacífico é uma produção americana, distribuída por uma “major” de Hollywood (Warner Bros.) e realizada por Guillermo del Toro, um cineasta... mexicano.
Com os seus sofisticadíssimos meios de produção, sustentados por um orçamento de 190 milhões de dólares (cerca de 145 milhões de euros), este é um sintoma claro do poder que del Toro foi adquirindo no interior da indústria americana, desde que, em 1993, se revelou internacionalmente com Cronos, uma fantasia de terror ainda rodada no México.
É bem certo que del Toro já tinha assinado alguns “blockbusters”, incluindo dois episódios de Hellboy (2004 e 2008); além do mais, na qualidade de produtor executivo, o seu nome tem surgido ligado a projectos de áreas muito diversas, desde o “thriller” de ficção científica (Splice-Mutante, 2009) até ao desenho animado (O Gato das Botas, 2011). Seja como for, nunca como em Batalha do Pacífico ele terá tentado ir tão longe na exploração dos recursos e regras dos grandes espectáculos de Verão.
Para além da óbvia aposta na conquista dos mercados asiáticos, hoje em dia fundamentais para a estratégia global dos estúdios americanos, Batalha no Pacífico reflecte a vontade de escapar aos modelos correntes dos “super-heróis”, optando por um estilo visual capaz de apresentar às gerações mais jovens a tradição dos “kaijus” e “mecha” (outra palavra japonesa, neste caso designando as aventuras com máquinas e robots), ao mesmo tempo revisitando as mais diversas referências de culto. Não admira que, em particular através de algumas soluções da cenografia, seja possível detectar as heranças de títulos como Alien – O Oitavo Passageiro (1979) ou Blade Runner (1982), ambos dirigidos pelo inglês Ridley Scott.
Curiosamente, para 2014, a Warner anuncia uma nova versão de Godzilla, à qual, em todo o caso, Guillermo del Toro não está ligado. Da sua carregada agenda para os próximos anos, constam a produção da animação Book of Life e a realização de uma nova versão de Pinóquio.