terça-feira, julho 30, 2013

A juventude de Michel Gondry

Nem só de "blockbusters" vive o Verão... O novo filme de Michel Gondry, A Malta e Eu é um belo exemplo de uma atenção genuína à complexidade do universo juvenil — este texto foi publicado no Diário de Notícias (28 Julho), com o título 'Revalorizando o gosto pelo realismo'.

Para além do trabalho específico desta ou daquela empresa cinematográfica, persiste um drama insólito: de um modo geral, o mercado conhece mal o seu próprio público (seguro ou potencial), como o demonstram alguns desequilíbrios promocionais com que regularmente deparamos. Assim, atravessamos a época dos “blockbusters” mais ou menos “juvenis”, este ano, aliás, com uma preocupante enxurrada de coisas medíocres... E um filme tão enérgico, sedutor e complexo como A Malta e Eu (The We and the I), sobre jovens – e visando, antes do mais, os espectadores mais jovens –, surge discretamente nas salas, sem a promoção maciça de outros produtos, correndo o risco de passar mais ou menos ignorado.
Em defesa do próprio mercado, importa acrescentar que ninguém pretende supor que há soluções “mágicas” para voltar a mobilizar o público que se tem afastado das salas. E escusado será relembrar que a seriedade da conjuntura económica e cultural não se supera pela demonização seja de quem for. Digamos apenas que seria uma pena que A Malta e Eu passasse por aí como um acidente mais ou menos indiferente, sem que atentássemos na ousadia e inteligência das suas propostas.
Que seja uma realização de um dos grandes especialistas da área dos telediscos, o francês Michel Gondry [foto], eis um detalhe que vale a pena sublinhar. Na verdade, Gondry é autor de algumas das obras-primas que, desde a fundação da MTV, têm marcado as relações entre música e imagens, incluindo Bachelorette (Björk, 1997), Let Forever Be (Chemical Brothers, 1999) e The Hardest Button to Button (The White Stripes, 2002). Mais do que isso: Gondry tem desenvolvido um trabalho regular no cinema, por assim dizer desafiando os limites da sua própria verosimilhança figurativa, como no emblemático O Despertar da Mente (2004), com Jim Carrey e Kate Winslet.
São razões que acrescentam alguma irónica surpresa a este A Malta e Eu, já que o filme aposta num realismo muito directo, dir-se-ia de “reportagem”, acompanhando a deslocação de autocarro feita, logo após o fim de um dia de aulas, por um grupo de estudantes de uma escola de Nova Iorque (Bronx). Num certo sentido, Gondry consegue recuperar algumas componentes de The Real World, programa pioneiro da MTV sobre o quotidiano dos jovens (hoje em dia, infelizmente, destruído pelos horrores da “reality TV”): através da avalancha de sinais “superficiais”, vamos compreendendo algo das tensões e contradições sociais que atravessam aquela pequena comunidade.
Graças a um trabalho de representação com jovens “amadores”, Gondry consegue esse efeito desconcertante que nos leva a sentir que aqueles actores se confundem um pouco com as suas personagens, sem que isso exclua uma elaborada lógica de representação. Afinal de contas, o gosto pelo realismo não se opõe (bem pelo contrário!) a uma rigorosa atenção aos artifícios das imagens e dos sons.