sexta-feira, junho 21, 2013

Vida e morte dos "blockbusters"

Recentemente, numa intervenção pública, Steven Spielberg, secundado por George Lucas, veio chamar a atenção para os perigos (industriais & comerciais) da inflacção de blockbusters, falando mesmo em risco de "implosão" — este texto foi publicado no Diário de Notícias (19 Junho), com o título 'Americanos, europeus e tubarões'.

Em Abril, numa conferência no Festival de São Francisco, Steven Soderbergh já tinha avisado: muitas decisões sobre os filmes que se fazem (e, sobretudo, os que não se fazem) estão a ser tomadas por executivos que, além de não terem o hábito de verem filmes, parecem nem sequer gostar de cinema [video: conferência na íntegra]. Agora, a chamada de atenção de Steven Spielberg e George Lucas para o estreitamento das opções da indústria, privilegiando as lógicas de produção e promoção dos “blockbusters”, vem confirmar que algo vai mal no reino de Hollywood.
Há, aqui, uma componente perversa que importa não escamotear. Afinal de contas, com Tubarão (1975) e A Guerra das Estrelas (1977), Spielberg e Lucas foram os primeiros agentes criativos do próprio conceito de blockbuster. Acontece que tais filmes surgiram como objectos apostados na renovação de formas de produção e narrativa, não fazendo sentido assacar-lhes responsabilidades pelos disparates que aqueles executivos têm vindo a impor aos mercados de todo o mundo. Dito de outro modo: a defesa da pluralidade da oferta cinematográfica é tão americana quanto... portuguesa.
Claro que a tradição de alguma esquerda europeia favorece a demonização dos americanos: em 1975, havia mesmo quem acusasse os defensores de Tubarão (em que me incluía e incluo) de perigosos aliados do “imperialismo”. Esse infantilismo ideológico continua a passar ao lado do essencial. A saber: a importância de garantir, pelos meios específicos das políticas culturais, a máxima diversidade da oferta cinematográfica. Sem esquecer que Spielberg pode ser um bom aliado. Há poucas semanas, em Cannes, foi ele que presidiu ao júri que consagrou o admirável La Vie d’Adèle, de Abdellatif Kechiche, não exactamente uma patetice inflacionada pelos “efeitos especiais”.