quarta-feira, maio 08, 2013

Cuca Roseta: tradição e voz

O novo álbum de Cuca Roseta, Raiz, recoloca de forma brilhante a questão da modernidade do fado, aliás, da necessidade de o manter ligado ao mais primitivo da sua tradição — este texto foi publicado publicado no Diário de Notícias (29 Abril), com o título 'A verdade que está na tradição'.

Como definir a voz de Cuca Roseta? Talvez através do cruzamento de quatro valores primordiais: a subtileza romântica de Nat King Cole; a energia dramática de Edith Piaf; a densidade emocional de Chavela Vargas; e ainda, last but not least, o admirável sentido de pose e teatralidade de Frank Sinatra. Razões para evocar estes quatro nomes? Pois bem, vêm da própria Cuca Roseta. Quando lhe perguntei se podia citar uma ou duas referências que a inspirassem, pedi-lhe apenas que não fossem do fado. Sem hesitar, avisou: “Vou dizer-lhe quatro!”
Na verdade, tudo começa na voz. Por mais voltas que possamos dar à tradição, por mais que discutamos a estética, a pertinência ou a legitimidade das variações que têm estado associadas à história do fado nas últimas duas décadas, a sua identidade continua a estar nas vozes. Identidade, quer dizer, raiz – e que o novo e admirável disco de Cuca Roseta se chame Raiz, eis um pormenor cujo simbolismo não será necessário sublinhar.
Que passa, então, no canto de Cuca Roseta? Uma verdade (a palavra é dela) que resiste a todas as formas de pitoresco, e tanto mais quanto o pitoresco se tornou a praga da cultura televisiva dominante (na música e não só). É, acima de tudo, uma verdade que não teme uma relação franca e aberta com a tradição, muito para além dos preconceitos anti-fado que não honram alguns capítulos da nossa história cultural pós-25 de Abril.
Há outra maneira de dizer isto: Cuca Roseta nada tem a ver com os pós-modernismos (que não passam de pós da modernidade) que confundem o fado com os vícios saltitantes, estupidamente sarcásticos, de alguns “shows” televisivos. Podemos, por isso, subscrever o seu sereno voto de “conservadorismo”: a excelência artística vive também destes ziguezagues simbólicos.

>>> Fado do Contra é o single de lançamento de Raiz.