Hoje em dia, numa cultura dominada por uma visão fútil dos jovens, o modo como se coloca em cena uma qualquer história de adolescência pode fazer a diferença: é o caso de Spring Breakers/Viagem de Finalistas — este texto foi publicado no Diário de Notícias (2 Maio), com o título 'Um conto de luxúria e medo'.
Nos últimos anos, um certo cinema americano tem sido drasticamente afectado pela síndrome “American Pie”. Depois desse filme de má memória (lançado em 1999), proliferaram as crónicas mais ou menos brejeiras sobre a adolescência, por princípio enraizadas numa visão estupidamente anedótica da sexualidade. Aliás, sejamos claros: do primarismo de American Pie ao “lirismo” de Morangos com Açúcar, passando pela terrível degradação dos padrões fundadores da MTV, o espaço mediático inflacionou os retratos dos adolescentes em que a ansiedade sexual se diz apenas através da caricatura romântica ou, com mais frequência, da acumulação de anedotas obscenas. Tudo isso com uma consequência social que está longe de ser benigna: em muitas formas de ficção audiovisual, os adolescentes servem tão só de carne para canhão de todas as frivolidades.
Daí o insólito valor pedagógico de um filme como Viagem de Finalistas. As quatro adolescentes que partem para a Florida, na procura de uma utopia sexual condimentada com substâncias mais ou menos etílicas, surgem-nos como clichés saídos do imaginário de American Pie, sendo rapidamente sujeitas a uma prova de real que relativiza esse imaginário e, acima de tudo, lhes confere aquilo que qualquer personagem merece: a sua consistência dramática.
Na dupla condição de argumentista e realizador, Harmony Korine percorre, assim, as pontes que o ligam à sua estreia com o argumento de Kids (1995), escrito para Larry Clark. Trata-se de retratar o caldeirão de valores (ou a falta deles) em que se move uma adolescência formada na ideologia da gratificação automática e gratuita. No limite, Viagem de Finalistas funciona como um perturbante conto moral, de paradoxal classicismo, em que luxúria e medo são apenas faces da mesma moeda.