quinta-feira, abril 18, 2013

Sokurov: três fotogramas de "Fausto" (1)

Johannes Zeiler, "Fausto"
Desconcertante evidência: face ao admirável Fausto, de Aleksandr Sokurov, sabemos inventariar inspirações (a lenda de Fausto) e referências (a obra de Goethe); ainda assim, o filme parece escapar-se para além de qualquer enquadramento meramente "cultural". Dir-se-ia que Sokurov não filmou uma "adaptação" do tema, mas a sua angustiada fuga para a frente — aliás, há qualquer coisa de arfante no filme, como se caminhássemos lado a lado com Fausto (Johannes Zeiler) e o seu empenhado Mefistófeles (Anton Adansinsky), numa deambulação cujo motor é o próprio vazio fúnebre que a sedução do dinheiro nela instala. Por isso, o rosto deformado de Zeiler não é uma mera citação das experiências do próprio Sokurov em Mãe e Filho (1997) ou Pai e Filho (2003). Tudo se passa como se o ecrã fosse, agora, não uma janela para o mundo, mas uma membrana, orgânica e carnal, que cede às intensidades de tudo aquilo que nela se projecta — não há, por isso, a bem dizer, deformação; apenas a consciência de que a imagem é um artefacto em que, por medo, decidimos acreditar. Esse medo tem qualquer coisa de libertador.