terça-feira, abril 16, 2013

Robert Redford, "made in USA" (1/2)

De Gente Vulgar (1980) até ao novíssimo Regra de Silêncio, agora estreado entre nós, Robert Redford é uma das vozes mais consistentes (e também menos conhecidas) da mais nobre produção made in USA — este texto foi publicado no Diário de Notícias (3 Abril), com o título 'Robert Redford recupera as emoções do “thriller” político'.

Aos 76 anos de idade, Robert Redford é, por certo, um dos mais espantosos exemplos de criatividade no interior da grande máquina de produção de Hollywood. Aliás, como criador do Festival de Sundance, a sua actividade tem sabido diversificar-se para a área da chamada produção independente, dando mostras de uma rara versatilidade artística e industrial. O seu novo filme como actor e realizador, Regra de Silêncio, constitui um belo exemplo dessa versatilidade, quanto mais não seja porque recupera um modelo de “thriller” político de que ele próprio foi um símbolo, nos anos 70, na condição de protagonista de títulos de cineastas como Sydney Pollack (Os Três Dias do Condor, 1975) ou Alan J. Pakula (Os Homens do Presidente, 1976).
Regra de Silêncio (título original: The Company You Keep) tem como pano de fundo as memórias do “Weather Underground”, grupo activista da esquerda radical que, no começo da década de 70, protagonizou diversas acções de protesto contra a guerra do Vietname, por vezes envolvendo assaltos a bancos e edifícios governamentais. Em todo o caso, como o próprio Redford tem referido em entrevistas sobre o filme, não se trata de fazer uma evocação histórica, mas sim de observar os ecos desse tempo conturbado na actualidade. Assim, tudo se desencadeia a partir da prisão, pelo FBI, de uma ex-militante (Susan Sarandon), alegadamente envolvida na morte de uma pessoa, ocorrida durante um assalto a um banco; o facto desencadeia o interesse de um jovem jornalista (Shia LeBeouf), acabando por conduzi-lo a um advogado (Redford), também ele no passado ligado ao “Weather Underground”.
Poderia ser um enigma policial. E é-o, até certo ponto. Mas funciona como um sofisticado estudo psicológico que, através de uma galeria de personagens ligadas por uma cumplicidade remota, nos confronta com as nuances de um passado americano que permanece em estado latente, nem sempre emocionalmente apaziguado. Nesta perspectiva, podemos considerar que Regra de Silêncio completa uma trilogia de títulos realizados por Redford em que, de uma maneira ou de outra, a América se contempla nos fantasmas da sua história colectiva: nos dois filmes anteriores, a tensão dramática nascia da presença das tropas americanas no Afeganistão (Peões em Jogo, 2007) ou da evocação do julgamento, em 1865, de uma mulher acusada de cumplicidade na conspiração para matar Abraham Lincoln (A Conspiradora, 2010).
Obviamente não por acaso, este é um objecto de cinema cuja exigência narrativa não pode ser dissociada de um universo que Redford muito bem conhece: o dos actores. Regra de Silêncio apresenta um elenco invulgar em que, além dos nomes citados, surgem ainda duas referências do cinema britânico, Julie Christie e Brendan Gleeson, a par de uma galeria de veteranos americanos, incluindo Richard Jenkins, Nick Nolte e Chris Cooper. Entretanto, na sua agenda pessoal, Redford tem dois projectos bem diferentes: o primeiro, All Is Lost, com lançamento previsto ainda para este ano, anuncia-se como a história de um homem só, perdido no mar, e tem assinatura de J. C. Chandor, realizador de O Dia Antes do Fim (2011), sobre as origens da crise financeira de 2008; o segundo, Captain America: The Winter Soldier, a estrear em 2014, terá um Redford inédito, numa aventura de super-heróis, assumindo a personagem de um agente policial.