O que pode trazer-nos de novo um documentário do qual já conhecemos (nem que por alto) a “história” que nos conta ou o universo que nos mostra? Um ponto de vista, por exemplo... E é precisamente o que acontece em Leviathan, um dos mais surpreendentes títulos da Competição Internacional da edição deste ano do IndieLisboa. Assinado pela dupla Lucien Castaing-Taylor / Véréna Paravel, o filme procura olhar de outras formas e novos ângulos a faina de um barco de pesca algures nas águas da costa Este dos EUA.
As imagens foram captadas não apenas pelos realizadores, mas também por uma dúzia de pequenas câmaras colocadas ora entre os pescadores ora em pontos específicos do barco. Olham as águas, os cabos que se puxam, as redes que sobem, o peixe que delas sai... Imersivas, as imagens olham de perto. Observam os pés entre água que corre e os peixes que dançam naquele chão, entre o rítmico sobe e desce que a ondulação decreta. As mãos que trabalham e amanham. A quilha que corta a água (e a água que é cortada). Ao ritmo do trabalho que avança, a montagem transpira depois o esforço. Com inesperada pausa quando, por debaixo do convés, um dos pescadores descansa uns minutos enquanto come e vê televisão...
Leviathan é assim mais uma importante contribuição para a afirmação do cinema documental entre a linha da frente da criação cinematográfica do nosso tempo. Não tem palavras (salvo as que incidentalmente eventualmente escutamos, mas das quais mais captamos os sons que os sentidos). Não tem texto. Mas entre o contexto sugere-se uma narrativa. E, acima de tudo, partilha-se uma experiência.
Momento maior da programação da secção Indie Music deste ano, Charlie is My Darling, de Peter Whitehead e Mick Gochandour é um retrato precioso dos Rolling Stones que dá conta daquela fresta de tempo entre o instante em que o sucesso os começou a visitar e o estatuto de ícones globais que chegaria pouco depois. O filme foi rodado com câmara à mão durante a digressão de dois dias que os levou à Irlanda em 1965. As imagens seguem-nos nos comboios, nos palcos, nos quartos de hotel. E é particularmente nestes espaços de maior recolhimento que uma banda ainda próxima daqueles primeiros tempos de real partilha e convívio (sem os filtros que a fama depois aplica) que o filme ganha uma voz. Rodado na época e guardado na gaveta desde então, Charlie is My Darling foi recuperado recentemente, o festival apresentando agora uma nova montagem (mais longa e expressiva que a original) e com imagem e som restaurados. Não é preciso ser admirador profundo dos Rolling Stones para nos deixarmos encantar por tão franco (e ao mesmo tempo lúdico) olhar sobre o grupo.