É um dos grandes (e, infelizmente, menos conhecidos) autores do cinema inglês dos últimos trinta anos: Terence Davies está de volta com o admirável O Profundo Mar Azul — este texto foi publicado no Diário de Notícias (3 Abril).
Muitas vezes se diz que a produção inglesa está limitada pela aliança com as “majors” de Hollywood. A afirmação é excessiva, não só porque tal aliança tem gerado muitos títulos importantes, mas também porque a sua existência é inseparável da sofisticada qualidade dos estúdios ingleses (com profissionais de grande talento, nomeadamente nos domínios fotográfico e cenográfico). Por isso, quando observamos o impacto de Skyfall (2012), e seja o que for que pensemos sobre a evolução do agente secreto 007, importa dizer também que as suas aventuras estão longe de esgotar os recursos e capacidades do cinema inglês.
Terence Davies [foto] é um esclarecedor exemplo desse cinema inglês mais “esquecido” mas, afinal, na linha da frente da experimentação e da ousadia estética. Apesar de ter chegado às salas portuguesas com mais de um ano de atraso, o seu filme mais recente, O Profundo Mar Azul, distingue-se pela invulgar combinação de referências cinematográficas, teatrais e musicais.
Baseado numa peça de Terence Rattingan, publicada em 1952, O Profundo Mar Azul poderá começar por ser definido como um cruzamento das memórias históricas com a matriz do clássico melodrama. A sua intriga triangular é, desde logo, reveladora: este é o drama de Hester (Rachel Weisz) que, ao apaixonar-se por Freddie (Tom Hiddleston), um homem que combateu na Segunda Guerra Mundial, põe em causa o seu casamento com um juiz altamente respeitado (Simon Russell Beale).
A peça de Rattingan é indissociável de um momento histórico em que os ingleses procuravam ainda acertar as contas com os traumas herdados da guerra: na sua deriva entre a euforia e o desespero, Freddie é mesmo um símbolo exemplar de tal contexto. Aliás, vale a pena recordar que existe uma primeira versão cinematográfica da peça, realizada por Anatole Litvak, em 1955, com Vivien Leigh e Kenneth More interpretando o par de amantes. Em todo o caso, para Davies, interessa-lhe menos a “reconstituição” histórica e mais a exploração de uma certa dimensão artificiosa do espectáculo que, uma vez mais, passa pelas referências musicais da época.
Tal como em Vozes Distantes, Vidas Suspensas (1988) e Aqueles Longos Dias (1992), Davies revisita a Inglaterra marcada pela guerra, encenando-a como um cenário de decomposição dos ideais românticos. Daí a presença das canções e também do emblemático Concerto para Violino e Orquestra (opus 14), de Samuel Barber; composto em 1939, pouco antes da eclosão da guerra, trata-se de uma peça musical de peculiar dramatismo, acabando por servir ao cineasta para sublinhar o misto de paixão e ansiedade (e, em particular, o impulso suicida) que marca a evolução da personagem de Hester.
Lançado no Festival de Toronto em Setembro de 2011, O Profundo Mar Azul acabou por ter uma existência marcada pelas irregularidades da sua difusão internacional, tendo chegado às salas americanas em Março de 2012. Seja como for, num curioso sublinhado da importância dos actores neste universo pós-romântico, o filme acabou por dar a Rachel Weisz o prémio de melhor actriz do ano passado, atribuído pela associação de críticos de cinema de Nova Iorque; vale a pena recordar que as outras nomeadas eram Emmanuelle Riva (Amor) e Jennifer Lawrence (Guia para um Final Feliz).