segunda-feira, abril 08, 2013

Novas edições:
The Knife, Shaking The Habitual

The Knife 
“Shaking The Habitual” 
Rabid / Popstock 
5 / 5 

Feitas as contas reparamos que passaram quase sete anos desde que os The Knife lançaram (o sublime) Silent Shout e, com ele, uma das mais importantes contribuições da década dos noughties para a história da canção servida por ferramentas electrónicas. Pelo caminho, e além de lançarem o registo ao vivo Silent Shout: A Visual Experience (ainda em 2006), Karin Dreijer Andsersson editou um álbum pelo projeto Fever Ray, o irmão Olof Dreijer tirou um curso em estudos de género na Universidade de Estocolmo e, juntos, apresentaram em 2010, a ópera Tomorrow In a Year. Parte destas experiências refletem-se agora na construção de um álbum que, apesar de cruzar afinidades pontuais com qualquer destes momentos, na verdade olha adiante e propõe um dos mais radicais (mas consistentes) ensaios sobre a forma da canção que temos escutado nos últimos tempos, afirmando-se Shaking The Habitual como um potencial candidato a, num futuro próximo ser, precisamente pelo seu não alinhamento por correntes em voga ou modas, um importante retrato, distinto e pessoal, dos ecos dos tempos que vivemos. Se tematicamente neste disco que pede o título emprestado a Foucault as canções traduzem uma focagem de interesses nas questões da identidade de género, do nosso comportamento como sociedade e no ambientalismo, musicalmente o silêncio de seis anos dos The Knife acaba rompido por algo que é todavia mais que um mero compromisso entre a escrita de canções (levada a tão distinto patamar em Silent Shout) e a criação de acontecimentos de mais intensa carga cénica que havíamos encontrado na ópera Tomorrow In a Year (e resta, sublinhe-se, conhecer a concretização visual, ao vivo desta música para termos noção total das sua ambição artística). Shaking The Habitual é, na verdade, uma experiência que reside nos antípodas do melodismo pop tão bem explorado e moldado às características plásticas da voz de Karin e às visões de sonoridade de Olof entre Deep Cuts e Silent Shout. Assim como segue um caminho distante da ordenação mais plácida de elementos que nos faziam evocar a figura de Darwin em Tomorrow In A Year. A música, intensa, angulosa e por vezes mesmo aparentemente desconfortável (sensação que a progressiva habituação resolve), transcende o espaço das electrónicas para acolher também outras fontes de som, nomeadamente percussões, num registo desafiante que pode ter relativo paralelo na forma como a obra recente de Scott Walker tem promovido a integração de outras fontes de acontecimentos sonoros no seu corpo musical. A escrita procura depois romper os espartilhos normativos da pop, ensaiando deambulações mais longas, a construção de ambientes e espaços instrumentais. A Tooth For An Eye ou Full of Fire (que chega a citrar o clássico Let’s talk About Sex das Salt’N’Pepa para lançar a agenda temática “let’s talk about gender”) são acontecimentos ásperos, estranhos, inicialmente talvez mesmo incómodos, mas afinal profundamente sedutores. Escutemos depois o gélido Old Dreams Wanting To Be Realized, que parte das periferias do silêncio para dele fazer emergir, ao cabo de 19 minutos, uma inquietante sensação de desorientação (como se fosse impossível materializar e arrumar os sonhos de que se fala). Como contraste encontramos em Whithout You My Life Would Be Boring e, sobretudo, em Wrap Your Arms Around Me os ecos da genética pop do passado recente do grupo. A pulsão experimental que por vezes cativa alguns dos mais visionários (e musicalmente dotados) dos nomes nascidos em terreno popular conhece aqui mais um notável episódio. A sua história é antiga, passando pelas desafiantes experimentações sónicas que os Beatles tatearam no clássico Sgt. Peppers (não sendo de admirar até a representação de Stockhausen na “galeria” de imagens da capa do disco), pela colaboração de Frank Zappa com Pierre Boulez (em Boulez Conducts Zappa: The Perfect Stranger), pelas deambulações mais recentes de Scott Walker, os dois primeiros ciclos de canções de Owen Pallett (ainda enquanto Final Fantasy) ou algumas das fugas para lá da pop da islandesa Björk (e não foi por acaso que John Tavener compôs uma peça vocal para a sua voz). Mais que em Tomorrow In A Year, uma experiência áudio-visual que era desde logo apresentada como uma ópera (e é uma das mais interessantes expressões contemporâneas desse grande universo musical), Shaking The Habitual propõe um novo olhar sobre a canção, a sonoridade, num quadro temático consistente. Não é pêra doce. Pede tempo e dedicação. Pode não ser uma meta (e ser ainda parte de um caminho). Poucos discos olham para o presente sob esta capacidade de refletir sobre o que existe (nos temas) e projetar caminhos a seguir (nas formas). No fim aponta a novos horizontes e faz-nos acreditar que esta viagem pode valer a pena... Pela minha parte, embarquei. Até porque, de vez em quanto, é preciso embarcar em algo que faça “abanar” o habitual.