Seja qual for o contexto de produção, Gus Van Sant continua a ser um paciente analista das tensões internas do seu país — este texto foi publicado no Diário de Notícias (28 Março), com o título 'Uma nova visão da ecologia'.
A caracterização de Gus Van Sant como cineasta “independente” sempre gerou equívocos mais ou menos moralistas. Ora, as suas raízes (Mala Noche, 1986) estão na produção mais distante dos grandes estúdios, mas isso nunca o afastou desses estúdios nem dos actores com mais forte apelo comercial. Recordemos que já dirigiu Nicole Kidman (Disposta a Tudo, 1995), Sean Connery (Descobrir Forrester, 2000) ou Sean Penn (Milk, 2008). Terra Prometida é mais um filme que congrega o melhor de dois mundos: por um lado, apresenta chancela de distribuição de uma “major”, a Universal; por outro lado, foi produzido pela Focus Features, precisamente a empresa da Universal vocacionada para projectos mais ou menos independentes.
Curiosamente, tudo isto acontece num filme em que, mais do que nunca, Van Sant invoca a nobre herança clássica que se cristaliza nas parábolas sociais filmadas por Frank Capra: Mr. Smith Goes to Town/Doido com Juízo (1936), com Gary Cooper, e Mr. Smith Goes to Washington/Peço a Palavra (1939), com James Stewart. Reencontramos, assim, um modelo narrativo em que tudo se decide a partir do confronto entre os valores mais impessoais (os investimentos de uma grande empresa de gás natural) e a vida de uma pequena “tribo” humana (a comunidade rural que essa empresa quer mobilizar).
Sem abdicar das nuances da psicologia individual, Van Sant consegue fazer um filme sobre temas quentes da ecologia contemporânea, contornando qualquer facilidade panfletária (pró ou contra). Em última análise, este é um cinema que se decide sempre no notável trabalho dos actores: Matt Damon, Frances McDormand, John Krasinski e o veterano Hal Holbrook são o testemunho da subtileza desse trabalho, sempre tão importante para os americanos, dentro e fora de Hollywood.