domingo, abril 14, 2013

"Linhas de Wellington": elogio dos actores

A edição de Linhas de Wellington em DVD volta a ilustrar uma evidência pouco pensada (e muito menos atendida) no contexto português: as alianças cinema/televisão não precisam de ficar submetidas à ditadura temática e estética dos formatos "telenovelescos" — este texto foi publicado no Diário de Notícias (7 Abril), com o título 'Para revalorizar o trabalho dos actores'.

Voltou à actualidade o filme Linhas de Wellington, de Valeria Sarmiento, centrado na batalha do Buçaco (1810), em que o exército anglo-português do general Wellington derrotou as tropas francesas comandadas por André Massena: por um lado, em formato de série televisiva (na RTP1); por outro lado, em edição em DVD. O simples facto de se tratar de um objecto com esta versatilidade formal é revelador da sua importância prática e simbólica: como se prova, é possível trabalhar em várias plataformas de produção resistindo a qualquer formatação “telenovelesca”. Mais do que isso: esse trabalho pode servir para revalorizar o fundamental contributo dos actores, tantas vezes menosprezado, até mesmo no plano estritamente comercial.
Nos extras do DVD de Linhas de Wellington, podemos aceder a uma interessante conversa, de cerca de meia hora, do produtor Paulo Branco com seis actores do filme: Afonso Pimentel, Marcello Urgeghe, Albano Jerónimo, Victória Guerra, Nuno Lopes e Filipe Vargas. Para além das memórias afectivas que estão em jogo (incluindo, naturalmente, o facto de Raul Ruiz, falecido em 2011, ainda ter trabalhado na pré-produção), o diálogo deixa uma certeza que importa sublinhar: todos reconhecem que a grandiosidade do projecto só adquire o seu sentido espectacular, bem como a sua pertinência dramática, a partir da riqueza específica de cada uma das personagens. Não se trata de vestir os actores com roupas da época e fabricar “cromos” históricos, mas sim de conceber personagens vivas com tudo aquilo que qualquer actor consciente procura: corpos, ideias, desejos.
O tema está longe de ser banalmente “profissional”. Desde logo, porque algumas das mais notáveis experiências do cinema português em anos recentes passam por um muito exigente investimento no labor específico dos actores (recordemos o caso modelar de Sangue do Meu Sangue, de João Canijo, lançado em 2011); depois, porque tendemos a menosprezar essa capacidade muito primitiva, mas também muito humana, de mobilizar os espectadores através da empatia com os actores.
Não que eu queira sugerir Linhas de Wellington como modelo universal seja do que for. Muito menos tenho a ilusão de saber avançar com soluções “mágicas” para os muitos problemas estruturais do cinema português (embora não tenha dúvidas que o poder avassalador do imaginário das telenovelas, há décadas ignorado pelas políticas culturais preconizadas por todo o espectro político, é o seu maior e mais quotidiano inimigo). Ainda assim, lembremos que, além dos nomes citados, o elenco do filme inclui ainda, entre muitos outros, Soraia Chaves, Marisa Paredes, John Malkovich (no papel de Wellington), Maria João Bastos, Adriano Luz, Catherine Deneuve, Isabelle Huppert e Michel Piccoli. Não se faz necessariamente um bom filme apenas tendo tais nomes. Mas acontece. E, neste caso, aconteceu.