O mundo algo neurótico em que vivemos é um assunto que inspire quem o possa cantar?
É interessante escrever sobre a maneira como lidamos com os nossos medos enquanto seres humanos. A maneira como nos envolvemos em situações mesmo complicadas... Quando falamos da natureza, não consigo deixar de refletir sobre como somos tão minúsculos no meio de todo este universo. E sinto conforto nessa ideia. Não tenho medo da vida. Tenho medo das pessoas.
Fala do terrorismo? Do regresso do conservadorismo?
Tudo resulta do medo. Do medo de não conseguirmos levar as coisas avante à nossa maneira. Se não conseguimos afirmar um qualquer discurso religioso, então estamos no outro lado. E não consigo compreender como é que as pessoas não entendem que estamos nisto todos juntos...
O medo é fundamental para o crescimento, para a evolução? Nos anos 80 temíamos o bloco de Leste. Agora, o mundo islâmico?
O medo é um motivador. Mas decorre sobretudo de uma postura egoísta perante a vida.
A música pode aí servir de escape?
Sem dúvida! E foi-o bastante para mim. Foi a saída de uma vida que via à minha frente e que não queria aceitar. E permitiu-me ter também uma vida que estava bem para lá dos meus sonhos. E continua a ser assim, desde que me não pendure de uma qualquer maneira. Os Depeche Mode podem ser como uma religião para mim. O medo que me persegue alimenta-me. Sou suposto fazer o quê? Mentalmente sei que o que hoje sou é um pai e um marido. Tentando desesperadamente continuar a crescer nesse aspeto, tentando estar disponível e atento para os meus filhos e a minha mulher. E esse é hoje para mim o meu grande desafio. Aquele pelo qual não quero sacrificar nada mesmo.
Recentemente Martin Gore disse numa entrevista que os Depeche Mode atraem sobretudo as paixões de pessoas disfuncionais. Quer comentar? O Martin estava aí a falar dele (risos)? Mas eu também me identifico com isso. Creio que as pessoas identificam-se com as canções por causa das suas próprias doenças na vida e sociedade, desconfortos e medos sobre o que nos envolve e que não podemos controlar. Ao longo dos anos apercebi-me de que, à medida que envelheço as únicas coisas que consigo controlar são as minhas acções e as minhas escolhas. E elas podem ditar a maneira como penso sobre mim mesmo. Por isso tenho de ser cauteloso nessas escolhas, mas ao mesmo tempo ter a vontade de tomar alguns riscos, mesmo com coisas com as quais me sinta desconfortável. É como quando compramos um novo par de sapatos. Ao princípio magoam-nos, e levamos tempo a usá-los.
Playing The Angel espelha entre as suas canções um evidente sentido de ameaça? De medo. Mas nas entrelinhas parece correr uma brisa de esperança...
É verdade.. É bom ouvir isso, porque é de facto o que ali está. É importante para mim e para o Martin haver esse sentido de esperança. Eu sou mesmo assim, até nos momentos mais silenciosos, naqueles lugares onde o desespero nos pode dominar. Algo nos pode acalmar se tivermos vontade de ver o que nos pode acalmar. O Martin sempre escreveu sobre isso tanto nas suas palavras como nas suas melodias. E não sou diferente. Uma canção pode estar a seguir um certo rumo, muito sombrio, mas tento sempre encontrar uma luz algures. Por vezes está na melodia, ou nos contrastes nas palavras. Uma canção pode estar a falar de esperança, mas não deixa de mostrar que pode haver uma luta que nos puxe para baixo. E a vida é mesmo assim. Não podemos vencer o que nos aparece pela frente na vida se não lutarmos. Os problemas surgem quando tentamos controlar as coisas de outra forma.
Vê a música dos Depeche Mode como retratista da vida real?
A música é um retrato da vida muitas vezes, e se quisermos sobreviver como Depeche Mode, temos um vasto leque de situações onde podemos ir buscar ideias. Mas ao mesmo tempo temos abordado quase sempre os mesmos assuntos.
(continua)