sábado, fevereiro 09, 2013

Solidões alemãs

Continuamos a ter uma relação irregular com a produção cinematográfica da Alemanha: Barbara, de Christian Petzold, com Nina Hoss, é uma excepção, tanto mais interessante quanto a sua história de muitas solidões aposta em revisitar os tempos vigiados dos anos 80, na RDA — este texto foi publicado no Diário de Notícias (2 Fevereiro), com o título 'Reavaliando as memórias da Alemanha de Leste'.

É bem verdade que vão longe os tempos em que nomes como Rainer Werner Fassbinder, Wim Wenders ou Volker Schlondorff mantinham a cinematografia alemã na linha da frente de muitos mercados, incluindo Portugal. Os filmes das gerações mais novas de cineastas da Alemanha, nomeadamente depois da Queda do Muro de Berlim, passaram a ter uma presença irregular entre nós, a ponto de podermos dizer que o espectador comum sabe identificar a chanceler Angela Merkel mas terá, por certo, muitas dificuldades em citar algum dos autores que, hoje em dia, definem a produção cinematográfica alemã.
Barbara, de Christian Petzold, é um exemplo recente dessa produção, distinguido no Festival de Berlim de 2012 com o Urso de Prata de melhor realização (foi também o candidato alemão ao Oscar de melhor filme estrangeiro, mas ficou fora das nomeações). Aliás, neste contexto, Petzold constitui uma relativa excepção, já que Barbara é o terceiro título da sua filmografia a conseguir estrear nas salas portuguesas: o primeiro foi Yella (2007), retrato íntimo de uma mulher que tentava superar o fim do seu casamento, mudando de emprego e também de cidade; o segundo, Jerichow (2008), colocava em cena algumas tensões sociais contemporâneas, através de uma adaptação muito livre do romance O Carteiro Toca Sempre Duas Vezes, de James M. Cain.
Ponto comum a todos estes filmes é a presença da actriz Nina Hoss. Em Barbara, uma vez mais, ela assume uma figura algo perdida no cruzamento das opções individuais e das forças colectivas. Trata-se de evocar o contexto muito preciso da República Democrática da Alemanha, algures nos anos 80, com todos os mecanismos de “suave” repressão a condicionar o dia a dia dos cidadãos: Barbara (Hoss) é uma médica pediatra vigiada pelas autoridades policiais a partir do momento em que preencheu um documento, “oficializando” a sua vontade de sair do país; compelida a aceitar um lugar no hospital de uma pequena cidade do Báltico, a sua existência passa a ser um bizarro jogo do gato e do rato com as autoridades...
O maior trunfo do trabalho de Petzold continua a ser a metódica descrição das condições sociais de existência. Resistindo a generalizações mais ou menos sociológicas, apoiando-se sempre numa elaborada direcção de actores, ele constrói narrativas que não serão estranhas a um certo impulso realista cujas marcas podemos detectar em diversas zonas do mais recente cinema europeu (lembremos o caso de Reality, do italiano Matteo Garrone). O facto de Barbara ter como pano de fundo a Alemanha de Leste, corresponde também a uma necessidade de releitura dos tempos da Guerra Fria, presente não apenas no cinema, mas também nas mais diversas formas de intervenção artística na Alemanha dos nossos dias. No plano estritamente cinematográfico, Barbara reflecte a mesma exigência de um olhar crítico sobre a história que marcava As Vidas dos Outros, de Florian Henckel von Donnersmarck, este distinguido com o Oscar de melhor filme estrangeiro referente a 2006.