domingo, fevereiro 10, 2013

P. T. Anderson e os clássicos

Paul Thomas Anderson: discípulo dos clássicos? Sem dúvida. E, em boa verdade, entre os modernos um genuíno clássico: The Master/O Mentor aí está como prova real da sua energia criativa — este texto foi publicado no Diário de Notícias (6 Fevereiro), com o título 'Através da herança dos clássicos'.

Lang. Preminger. Kazan. Fritz Lang pela consciência aguda da moral como resto frágil das convulsões sociais. Otto Preminger pela insolúvel contradição entre as utopias e a vida material. Elia Kazan porque todos os dramas humanos são aventuras do corpo, quer dizer, cinematograficamente, trabalho específico dos actores. Paul Thomas Anderson é um herdeiro directo de todos eles, desse classicismo que fez de Hollywood o centro irradiante da história e da mitologia cinematográfica. E não haverá muitos filmes deste nosso século XXI (penso em A Rede Social, de David Fincher) que consigam, como O Mentor, cruzar a mais radical dimensão individual com a sensação genuinamente trágica de estarmos a assistir a uma colisão de galáxias em que a agonia de um mundo anuncia a possibilidade de outro.
Não por acaso, Anderson transfigura a história do soldado que acabou a guerra (Joaquin Phoenix) na possibilidade de construção de uma relação com o “mentor” (Philip Seymour Hoffman) de uma nova religiosidade. Há no protagonista um tão radical desencanto pelas formas de gratificação que lhe são oferecidas que, em última instância, o seu simbolismo transcende a época em que o descobrimos: como se a América pós-Segunda Guerra Mundial fosse apenas uma configuração ligeiramente diferente da América dos nossos dias.
Há outra maneira de dizer tudo isto: Anderson distingue-se por uma impressionante precisão na encenação dos detalhes da história colectiva, mas não é, nunca foi, um cineasta estritamente “histórico”. Dir-se-ia que o seu cinema encena a diferença cruel entre o ter e o ser, entre os instrumentos sociais e a solidão individual: O Mentor é uma epopeia cruel sobre uma ilusão maior que a vida, quer dizer, o carácter inelutável da morte. Um clássico instantâneo.