quinta-feira, fevereiro 21, 2013

Em conversa: Mark Eitzel (2)

Retomamos a publicação de uma entrevista com Mark Eitzel realizada por ocasião da sua recente passagem por Lisboa e pela edição do álbum Don’t Be a Stranger. Esta entrevista serviu de base ao artigo publicado na edição de 8 de fevereiro do DN com o título ‘Noite de concerto para viver um tempo de mudança em Mark Eitzel’.
Contou já que, quando estava a trabalhar neste seu novo álbum esteve com Joe Boyd, que produziu os dois primeiros álbuns de Nick Drake. São figuas como a dele as que o inspiram? 
O primeiro disco de Nick Drake é maravilhoso. Mas [quanto às figuras que o inspiram] não sei... Quando viajamos estou sempre a ouvir música... Recentemente ouvi todo o catálogo dos Blur e achei que era a coisa mais aborrecida que já ouvi. Ouvi também os Beatles, claro!... Tudo me inspira.

O que tem lido? Não leio nada de jeito quando estou em digressão. Mas estou a livrar-me de todos os livros que tenho. Estou em mudança... Li recentemente O Fio da Navalha [de Somerset Maugham].

Com os American Music Club desativados tem agora mais tempo para aprofundar um percurso mais pessoal? Sim, sempre senti que tinha tempo e espaço, mas agora sinto que já não tenho de fazer parte de uma democracia. Isso é bom. Gosto de estar assim. Mas não sei o que farei depois. Nem sei se farei outro disco nos próximos anos. Sei apenas que vou dar uma volta à minha vida.

Vê a estrada (as digressões) como uma obrigação a cumprir? É um prazer quando toco em lugares onde haja pessoas inteligentes e bonitas. Gosto de tocar, mas acho que estou a ficar velho.

Em tempos os músicos mais velhos que conhecíamos eram sobretudo maestros e compositors. Algo mudou? 
Compreendo a analogia, mas ainda há dias vi os Rolling Stones num programa de televisão. Era um concerto de homenagem. E foi tão mau! O que se passava com os compositores e com aqueles que criam arte é que, a partir de uma certa altura, deixam de criar algo novo... O Mick Jagger fez algumas das melhores canções de sempre. Mas agora... É difícil viver toda uma vida como artista. É difícil estar sempre escavar coisas novas e a dizer a verdade... Muitas pessoas ficam preguiçosas quando envelhecem, e não as podemos culpar disso. Os nossos corpos estão desenhados para parar. É difícil...

E o que diz de um Leonard Cohen? Ele mudou a minha vida e é espantoso. Ele é o que se devia ser. Mas era já um poeta antes de ser um músico. Foi um artista em primeiro lugar, sempre. Tinha algo para dizer... Não sei se a Beyoncé terá algo para dizer dentro de alguns anos... Nem sei se ouviremos falar dos Oasis dentro de dez anos... Vamos ouvir falar de um Roy LaMontagne, de um Ron Sexmith, que é espantoso. Mas é aquela coisa horrível: quando se chega ao conforto, pára-se. Eu sempre quis escrever e espero continuar a ter a energia para o poder ser.

Gostaria de escrever sem ser apenas para canções? Sou tão mau... Posso ficar seis horas a fazer um parágarfo, mas sou tão mau…

Mas é auto-crítico… 
Não, nada! Leia o meu blogue e vai ver...

Nos anos 70 viu florescer o fenómeno punk quando vivia no Reino Unido. Acha que a música de hoje reflete o sentido de raiva e loucura a nossa volta como o punk o fazia? 
Sim, sem dúvida. A única grande diferença é que hoje ninguém lê livros. No meu tempo tínhamos de ler Rimbaud, Baudelaire e tantos outros livros. Hoje quem lê é louco. Essa é a grande diferença. As pessoas são mais ásperas, mais pragmáticas, lidam mais com a realidade, mas também são mais malvadas. E têm mesmo que ser, porque o mundo está também mais mais negro. Os miúdos são mais: “yes, fuck you!” Há dois tipos de movimentos na música hoje em dia. Um deles é feito por miúdos que ouvem apenas as suas canções e não ouvem mais nada que esteja fora do seu telemóvel. Porque acham que não precisam... E alguma dessa música até é bem boa... (risos) E depois há a nação hip hop, ainda com preocupações, ainda muito punk rock, ainda viva.... Não é a minha geração...

Ter um presidente como Obama o que representa para a América do presente? 
Gosto muito dele! Mas acho que a América é algo diferente daquilo que Obama representa. Há ali fascismo em grande escala. Há estupidez. E a alternativa era tão má que as pessoas acabaram por escolhê-lo. Parece-me um homem honesto, um ser humano muito normal. É um grande político.