quinta-feira, janeiro 24, 2013

Walt Disney, segundo Philip Glass

Este texto sobre a ópera 'The Perfect American', que teve estreia mundial esta semana no Teatro Real de Madrtid, foi publicado na edição de dia 23 do DN com o título 'Retrato de Walt Disney em ópera de Philip Glass'.

Meses antes de ser sequer ouvida em palco, a ópera The Perfect American, que propõe um retrato de Walt Disney (e agora tem estreia mundial em Madrid), afirmava-se como a mais potencialmente controversa das suas obras, uma ideia na verdade mais feita de rumores que de factos. No mais recente post que podemos ler no blogue ‘Glass Notes’, que integra o site oficial de Philip Glass, apontam-se as duas mais recorrentes críticas que ópera foi recebendo na imprensa: que “era uma acusação de Walt Disney como uma fraude racista que não sabia desenhar” ou que “teria havido da Walt Disney Co. uma tentativa de travar a ópera de chegar a bom porto e insistido em aprovar o libreto”. Este blogue oficial deixa claro que “nada disto é verdade”. E, acrescentamos nós, nada como, agora, ver a estreia da ópera (que estará em cena no Teatro Real de Madrid até 6 de fevereiro), para tiramos as devidas conclusões.

Numa conversa com jornalistas em Madrid, Philip Glass explicou há poucos dias que Disney nasceu no sul dos EUA e que, por isso “tinha a bagagem cultural daquela época”, acrescentando que “era uma pessoa do seu tempo e tinha ideias que parecem hoje muito conservadoras”. Em entrevista à estação finlandesa Yle acrescentou que o essencial da ópera é antes o facto de Disney ter sido “um ícone americano com uma visão”, lembrando que, “através dos desenhos animados trouxe-nos uma linguagem que se tornou global”. Glass reconhece à Yle que, a dada altura, a Disney lhe pediu para ver o libreto. Mas, explica, não estava terminado ao ponto de achar que o poderia mostrar a alguém, pelo que por isso declinou o pedido.

Confessando um interesse pela complexidade da personagem, o compositor deixa claro que The Perfect American é um tributo seu a Walt Disney. Mas, como há muito defende, e podemos recordar outras das suas óperas como Satyagraha (centrada na figura de Gandhi), Akhnaten, Kepler, Galileu Galilei ou The Voyage (Colombo), Glass vê estes retratos como expressões de uma ideia de poesia e não de documentário.

Philip Glass entende que a cultura americana sempre esteve muito próxima da cultura pop e por isso lembra que sempre houve relações próximas da cultura popular com a chamada alta cultura. Disney “funcionava desta maneira”, afirmou em Madrid, justificando o sentido que encontra no facto de ter criado uma ópera sobre este ícone. “A ópera é um lugar onde a arte e o entretenimento se encontram. Por isso, fazer da sua vida o tema de uma ópera será jogar com algo que lhe seria muito natural”, explicou, revelando que a trama evoca a morte de Disney, confrontando a personagem com o facto de ser um mortal que tem de enfrentar a eternidade. O compositor recorda depois que, como Disney, outros artistas contemporâneos trabalharam num contexto de “fábrica”, dando como exemplo Andy Warhol ou Jeff Koons.

Philip Glass já elogiou a juventude da orquestra do teatro, lembrando que, com outros músicos, mais velhos, trabalhou ali há 15 anos por ocasião da estreia madrilena de O Corvo Branco, ópera sobre os descobrimentos portugueses que teve primeira apresentação mundial no Teatro Camões, em Lisboa, na Expo 98.

Com libreto de Rudy Wurlitzer e encenação de Phelim McDermott, a ópera conta com as vozes de Christopher Purves (Walt Disney), David Pittsinger (Roy) e Donald Kaasch (Dantine), entre outros. Coro e orquestra do Teatro Real são dirigidos pelo seu habitual colaborador Dennis R. Davies.