domingo, janeiro 06, 2013

Herman José + Maria Rueff

Televisão e populismo tornaram-se, infelizmente, dois aliados regulares no espaço mediático português: na noite de fim de ano, um belo sketch de Herman José e Maria Rueff lembrou-nos isso mesmo — este texto foi publicado no Diário de Notícias (4 Janeiro), com o título 'Contra o populismo'.

A ideologia voluntarista que prevalece em muitos discursos emanados das práticas televisivas tolera mal que se sublinhe uma evidência quotidiana: a de que a televisão detém um poder imenso na formatação das ideias correntes do dia a dia social. Desde a política até ao desporto, passando pelo cinema, muitas dessas ideias são geradas (e postas a circular) através de automatismos que quase ninguém interroga.
No futebol, por exemplo. Na jornada da Taça da Liga logo após o Natal, Benfica, Porto e Sporting não ganharam os seus jogos (dois empates e uma derrota, respectivamente). Tanto bastou para que, como um vírus acolhedor, se instalasse a certeza de que as férias natalícias não tinham feito bem às equipas “grandes”... Será que os “pequenos”, coitados, não tiveram direito às mesmas férias?
Enfim, não simplifiquemos. Foi possível encontrar este tipo de argumentação um pouco por todo o lado (nas rádios, valha-nos Deus!...) e uma manchete como a do jornal A Bola, exaltando as equipas teoricamente mais frágeis (“Pequenos grandes”, 31 Dez.), representou uma simpática excepção.
A capacidade de alguma distância e distanciação em relação aos mais agressivos clichés televisivos continua a pertencer, quase em exclusivo, a alguns momentos de programas de humor. Na noite de fim de ano da RTP1, Herman José e os actores do programa Estado de Graça deram uma boa lição dessa disponibilidade para olhar a televisão como um labirinto imenso, necessariamente plural e contraditório, de linguagens.
Fica um destaque dessa noite: Herman José e Maria Rueff compuseram uma admirável caricatura de Nuno Eiró e Iva Domingues, expondo com metódico rigor a retórica e o vazio mental de todo um discurso televisivo enraizado na exaltação dos “famosos” e na celebração da “felicidade” [video]. Em tempos de tão cruel domínio dos valores televisivos mais populistas, é bom encontrar quem resista à mediocridade criativa que tomou conta de sectores muito significativos do nosso território televisivo. Tal resistência é mesmo a questão central da vida cultural portuguesa em 2013.