Afinal o silêncio ainda é possível. E numa idade em que a informação sai, por fugas, aqui e a ali, raro sendo o disco que chega como som absolutamente novo (porque já tantos o escutaram antes da data “prevista”), David Bowie surpreende tudo e todos ao apresentar, hoje, dia em que celebra o seu 66º aniversário, Where Are We Now, um novo single e a notícia do lançamento de The Next Day, um novo álbum de originais a editar a 12 de março e que será o seu primeiro novo disco em dez anos. Do single, que está já disponível no iTunes (ao lado do álbum, de 14 temas, também já em pré-venda), sabemos que contou com a colaboração do velho parceiro Tony Visconti. A canção vive sobretudo de memórias dos dias em que (em finais dos anos 70) viveu em Berlim, após assombrada etapa em Los Angeles, a letra evocando concretamente espaços como Potsdamer Platz (que era então um campo desolado perto do muro e dos estúdios Hansa onde gravou Heroes) ou os armazéns KaDeWe, ainda hoje um ex-libris da cidade. Os valores do tempo e da memória e o confronto com o envelhecimento que habitam esta canção sublinham, além da cenografia sonora revelada pelos arranjos, uma agradável familiaridade com o sublime Thursday’s Child, tema que em 1999 nos apresentou o álbum hours... Convenhamos que, dez anos depois do silêncio abrupto que se seguiu a Reality, um novo disco de Bowie não podia começar de melhor maneira.
Na verdade o silêncio não se fez sentir imediatamente após a edição de Reality. Desse álbum foram ainda extraídos dois singles (um deles com uma curiosa versão de Love Missile F1-11 dos Sigue Sigue Sputnik no lado B) e o disco serviu de cartão de visita a uma das suas mais ambiciosas digressões de sempre, interrompida na reta final (e a poucos dias de uma passagem pelo Porto) por razões de saúde que obrigaram o músico a uma cirurgia de urgência e a uma convalescença que, aos poucos, cedeu lugar a um longo silêncio. Pelo caminho Bowie fez sobretudo aparições no cinema (foi notável a sua recriação da figura de Nikola Tesla em The Prestige, filme de 2006 de Christopher Nolan). Musicalmente assinou pontuais colaborações em concertos dos Arcade Fire e David Gilmour (com os primeiros tendo lançado um EP ao vivo e com o segundo um single com uma versão de Arnold Layne, o primeiro 45 rotações dos Pink Floyd). E colaborou pontualmente em discos dos TV On The Radio, Scarlett Johansson ou dos dinamarqueses Kashmir. Reeditou uma série de álbuns clássicos, lançou um registo ao vivo da Reality Tour, apresentou algumas novas antologias. Mas de novo dele nada ouvíamos desde 2003.
Where Are We Now e The Next Day colocam agora um ponto final neste silêncio. E a partir de março podemos juntar também aos discos uma exposição no Victoria & Albert, em Londres.
Para já, ficamos com o teledisco que Tony Oursler realizou para a nova canção.