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Que a publicidade é uma das linguagens mais poderosas na representação & normalização do quotidiano, eis uma evidência que quase todos (a começar pelos publicitários...) evitam enfrentar. Em televisão, por exemplo: como avaliar os valores sociais sem ter em conta a sua abordagem nos espaços publicitários? — este texto foi publicado no Diário de Notícias (28 Dezembro).
Não faz sentido alimentarmos qualquer cinismo contra a presença dos anúncios em televisão: escusado será dizer que a publicidade é um factor essencial de qualquer gestão televisiva. Mais do que isso: no contexto português, são, no mínimo, legítimas as preocupações dos que encaram com cepticismo uma eventual proliferação de canais; afinal de contas, não será apenas por haver mais canais que o volume de investimentos publicitários vai aumentar de forma mais ou menos mágica...
Dito isto, vale a pena lembrar que a “naturalidade” com que, quase sempre, se encara a publicidade é profundamente equívoca. Assim, nos anúncios encontramos ecos muito directos dos mais diversos objectos do dia a dia, desde os telemóveis aos detergentes para a roupa; ao mesmo tempo, porém, é raro questionarmo-nos — e questionar os próprios anúncios — sobre o modo como neles se apresentam (e representam) esses objectos, através deles elaborando discursos mais ou menos normativos sobre relações sociais, familiares e sexuais.
É uma discussão vasta que, infelizmente, no nosso país, está em grande parte por fazer. Em todo o caso, vale a pena registar as tendências gerais desta época natalícia. De facto, em termos globais, a publicidade tende a construir uma imagem radiosa e libertadora do tempo que vivemos, ironicamente dispensando a sugestão de “crise” que passou a contaminar a maior parte dos discursos televisivos.
Se há ou não crise, eis o que parece um detalhe irrelevante. De acordo com o tom dominante dos anúncios que nos chegaram este Natal, vivemos um tempo de exaltada e exaltante euforia consumista em que, adquirindo automóveis ou perfumes, sem esquecer os jogos de vídeo, estamos condenados a ser felizes.
Daí uma evidência que importa registar: assumindo uma vocação que já foi dos políticos, muitos discursos publicitários empenham-se em garantir-nos a felicidade como coisa mais ou menos determinista, automática e transparente. Seria interessante saber como é que esses mesmos políticos, de direita e de esquerda, encaram esta sua perda de poder simbólico.