Scott Walker
'Bish Bosch'
4AD Records / Popstock
4 / 5
Há uma certa tendência, entre músicos veteranos de, a dada altura, mergulhar num regresso às origens. O back to basics, como habitualmente o descrevem os que falam inglês. Nada de errado nisso, tantos bons exemplos que podemos citar, do reencontro dos U2 com as linhas mais cruas dos seus primeiros tempos que em 2004 viveram em How To Dismantle An Atomic Bomb; o regresso dos Rolling Stones à sua linguagem primordial em A Bigger Bang (2005); ou o tom abrasivo dos álbuns de inícios dos oitentas que os R.E.M. redescobriram em Accelerate (2008). Mas há quem recuse estes olhares para o retrovisor. E se há veterano que tem insistido em nunca voltar atrás, como que acreditando que o que foi não volta a ser, ele é Scott Walker. E agora, aos 69 anos de idade, e 45 depois do seu primeiro álbum a solo, apresenta em Bish Bosch mais uma coleção de composições que o colocam mais perto das artes de vanguarda que das memórias do crooner de alma pop/rock que em finais dos anos 60 cantava Plastic Palace People ou versões de originais de Jacques Brel.
Longe, muito longe, do jovem que vestiu a pele de cantor teen na primeira geração dos Walker Brothers (em meados dos anos 60) e distante das baladas sumptuosas que nos apresentou, entre 1967 e 1969, em quatro álbuns que encetaram a sua carreira a solo (a que chamou Scott 1, 2, 3 e 4), Scott Walker mantém firme o desejo em trilhar caminhos de maior desafio que começou a lançar a si mesmo (e aos seus admiradores) ainda em finais dos anos 70 quando em Nite Flights apresentou o derradeiro álbum dos Walker Brothers. Caminho que aprofundou em Climate of Hunter (1984) e nos escassos momentos de reencontro com os discos que viveu desde então: Tilt (1995) e The Drift (2006).
Percussões insistentes abrem o alinhamento de Bish Bosch, um disco onde tanto explora o som de lâminas que se esfregam entre si (em Tar) como aprofunda o trabalho com a orquestra. Trabalho que, como ele explica, é feito em busca de ruídos, texturas e grandes pilares de som, em detrimento da mais frequente procura de arranjos de arrumação elegante. Num texto que encontramos no microsite que a 4AD criou para apresentar o álbum, o título é explicado como juntando uma alteração da palavra "bitch" com o apelido do pintor renascentista Hieronymous Bosch. E como aí bem observa Rob Young (editor da The Wire), a música de Scott Walker é feita de pequenos detalhes, acções e formas, tal e qual alguns dos quadros de Bosch.
Desafiando-nos a ouvir assim a sua música com disponibilidade para a ela regressar e aos poucos nela sentir pequenas obsessões e, assim, descobrir portas de entrada, que geram a descoberta e um progressivo entendimento. Em The Night The Conductor Died evoca a execução de Nicolae e Elena Ceausescu em 1989. A morte, a dor, são temas que passam entre composições assinadas por um reconhecido pessimista que vê as suas canções como seres com alma espiritual. E onde o cinismo não tem lugar.
Bish Bosch mantém firme a demanda por novas formas que ainda há seis anos reencontrávamos em The Drift, a sua estreia no catálogo da 4AD e promove uma vez mais novos modos de entender a canção que Scott Walker tem protagonizado nos últimos 30 anos. Um pouco como David Sylvian o tem feito depois de Blemish (2003), Scott Walker toma a linha vocal como um fio condutor narrativo, criando em seu redor uma noção de espaço e cenário. Há pontuais frestas de melodismo, mas é de sons, de texturas e acontecimentos que vive a alma desta música tão intrigante quanto cativante.
PS. Este texto é uma versão editada de um outro editado originalmente na edição de 4 de dezembro do DN, com o título 'Os novos desafios do veterano Scott Walker'.