Frank Ocean
“Channel Orange”
Def Jam / Universal
5 / 5
É verdade que costumo andar mais vezes pelos caminhos das electrónicas e das orquestras (já andei mais pelas guitarras, também é um facto...) e que o r & b não é a praia onde apanhe mais sol, apesar de ocasionalmente me ter rendido a nomes e carreiras, das referências absolutamente clássicas a alguns casos da história mais recente... Podendo os clientes mais habituais destes espaços ter outra perspetiva (e, admito, maior exposição e conhecimento de títulos lançados e nomes revelados), a verdade é que 2012 colocou em cena três nomes que fizeram do espaço r & b um dos mais vibrantes caldeirões de acontecimentos do ano, entre todos eles habitando uma vontade de dialogar com outros universos e transcender fronteiras. Afinal, não mais senão uma lógica de criação musical adiante dos espaços de género que caracteriza, de facto, o pensar da música do século XXI. Falo em concreto de The Weekend (que depois de três discos em lançamento online os junta agora numa “trilogia” física), Miguel (cujo Kaleidoscope Dream lhe deu a visibilidade que os mais atentos tinham já pressentido iminente no álbum de estreia lançado em 2010) e Frank Ocean, cujo álbum de estreia, apesar de ter dividido opiniões, me soa como uma das obras-primas do ano. E, claramente, um dos melhores discos de 2012.
Um biopic, à moda de um grande estúdio americano, que um dia recorde a figura de Frank Ocean, vai certamente começar com um prólogo com imagens entre os efeitos devastadores do furacão Katrina. Christopher Breaux, o verdadeiro nome de Frank Ocean, sugere genealogia que recua à presença francesa no Louisiana. Foi, de resto, em New Orleans, que nasceu, em 1987, o furacão tendo destruído por inteiro o seu espaço de trabalho. Mudou-se para Los Angeles e a curta temporada de poucas semanas transformou-se numa residência permanente. O trabalho tomou o seu dia a dia. Ganhando primeiro notoriedade ao compor para terceiros (assinou canções para Beyoncé ou Justin Bieber), depois através de uma mixtape que lançou em 2011 e abriu caminho a um mais sólido passo em frente que chegou quando, este ano, editou o seu álbum de estreia, a que chamou Channel Orange. Por essa altura, e na sequência de sugestões que alguns jornalistas apontaram nas letras de algumas canções do álbum, Frank Ocean tornou público um texto onde falava da sua sexualidade, do facto de se ter apaixonado por alguém do mesmo sexo e da forma como a escrita destas canções foi importante para o seu bem estar como indivíduo. Porém, e como tão bem ressalva o belo texto de Alex Petridis no The Guardian (por alturas do lançamento do álbum), convém que não se reduza o papel de Frank Ocean em 2012 ao facto (muito importante, é verdade) de ter sido um dos primeiros artistas afro-americanos a falar publicamente da sua homossexualidade. Porque há um disco em questão. E é simplesmente uma obra de exceção. Como aquelas poucas obras de estreia que ficam na história o são.
Channel Orange é um pouco como um álbum R&B não alinhando a nenhuma das grandes correntes do nosso tempo. Antes, e um pouco como Kaleidoscope Dream de Miguel, traduz um olhar de síntese de alguém que assimila heranças e referencias de outros tempos para daí partir em busca de si, do seu tempo e do seu lugar. Stevie Wonder e Marvin Gaye surgem como pilares estruturais na busca de caminhos, por onde passam ainda a visão caleidoscópica de um Prince e um alargar de horizontes que promove, mais que um lugar no campeonato das vozes canoras, uma muito pessoal exploração lírica (que passa pelas questões da identidade, da dificuldade do reconhecimento pelo outro, entre olhares pelo tecido social em seu redor) e uma ideia de construção musical de alguma ambição (e convenhamos que, sem disputar o lugar de um Kanye West, dá conta do recado). Contando com colaboradores como Pharell Williams (um dos produtores) ou Andre 3000, mais feito de temas lentos e em toada mid-tempo, com expressão maior no opus de alma prog e pele electro que se escuta no belíssimo Pyramids, Channel Orange é um álbum que parte do R&B para experimentar os caminhos do mundo em que vivemos. E quando a música sai da casca para olhar em seu redor e nos contar o que sentiu, acabamos quase sempre a ganhar. E, verdade seja dita, este ano poucos nos deram um disco como este que Frank Ocean agora nos dá.
PS. Se os rumores sobre ser este o seu único álbum (ou seja, que não fará mais), esperemos para ver...