O quarto volume da série re-composed seguiu um caminho tão pessoal como o que marcara a proposta de Moritz Von Oswald e Carl Craig, numa abordagem invulgar e experimental à Sinfonia Nº 10 de Gustav Mahler, da qual o compositor nos deixou apenas um adágio. O desafio foi vivido por Matthew Herbert, um dos mais inspirados e surpreendentes músicos do nosso tempo, que vê o facto desta sinfonia ter sido deixada inacabada não apenas como uma tragédia pessoal para Mahler mas também um facto com impacte na história da música. No texto que ele mesmo escreve no booklet desta edição refere em concreto um acorde de nove notas que podemos escutar na segunda metade do adágio, reparando que “esta grande dissonância antecipa muito do que viria a acontecer no século XX”.
A bordo de uma série que o convida a re-compor, Herbert recorda Mahler como sendo “um grande revisionista” lembrando as vezes que re-orquestrou as susas obras e as de outros compositores. Tomando um caminho diferente, optou por abordar a gravação que teve como ponto de partida (registada em 1987 pela Philharmonia Orchestra, sob direção de Giuseppe Sinopli) do ponto de vista do ouvinte. Ou seja, a sua visão sobre a décima de Malher seria não uma re-composição sensu strictu, repensando estrutura, melodia e harmonia, mas uma série de pontos de vista do ouvinte sobre a sua gravação. “Quis re-imaginar o trabalho literalmente num novo contexto”, explica Herbert que confessa que em algumas das partes deste seu disco o que escutamos é o modo como ele mesmo ouviu a obra.
E como? Herbert partiu de uma premissa que tem em conta o facto de Mahler ter morrido antes do eclodir da I Guerra Mundial e que todos aqueles que em tempos fizeram o seu público estão mortos. “Esta é uma música que está no after-life”, como sublinha no booklet do disco, defendendo assim que muito do poder desta música reside na forma como assim justapõe o divino e o mundano. Daí ter registado as sessões de audição (e gravação) do adágio da Sinfonia Nº 10 junto a um funeral, nos espaços de um crematório, dentro de um caixão. Gravou a performance dos primeiros compassos junto da sua campa. E passou ainda pela pequena cabana em Toblach, onde Malher compôs estas notas. Herbert diz assim que encheu esta música de fantasmas, procurando captar a tensão “entre o interior e o exterior, o vivo e o morto, o presente e o passado". Mas frisa ainda que não procurou fazer desta abordagem nem um mausoléu assombrado nem uma peça multimédia para museu. “É antes uma amplificação do intrigante equilíbrio que escuto na obra original entre a luz e as trevas”. E, como conclui Herbert, “onde quer que as trevas lancem a sua escuridão, há sempre o contrário na vitalidade emocional, lírica, de fazer parar o coração, das melodias de Mahler, que estão ali para nos lembrarmos de quão maravilhoso é estarmos vivos”.
Capa deste quarto volume da série Re-composed.
Veja aqui o próprio Herbert a explicar a sua abordagem ao adagio da Sinfonia Nº 10 de Mahler.