De acordo com a lógica de trabalho da sua produtora, Malpaso, Clint Eastwood deu agora uma oportunidade de realização a Robert Lorenz, um colaborador regular, nomeadamente na área da produção: o resultado é Trouble with the Curve/As Voltas da Vida, um retrato íntimo do mundo baseball — este texto foi publicado no Diário de Notícias (21 Novembro), com o título 'A arte de envelhecer segundo Clint Eastwood'.
Clint Eastwood está de regresso aos ecrãs das salas escuras como intérprete principal de As Voltas da Vida, sob a direcção de Robert Lorenz. É um reencontro atravessado pelas mais variadas emoções: hoje em dia, com os seus joviais 82 anos, ele é, sem qualquer dúvida, um dos nomes mais respeitados do cinema americano; em boa verdade, simboliza toda uma dimensão lendária de Hollywood, congregando as funções de actor e realizador, impondo-se como símbolo de resistência humana e paradigma do espectáculo.
Curiosamente, a carreira de Eastwood como realizador, iniciada há mais de quatro décadas, em 1971 (com esse insólito melodrama negro, centrado num locutor de rádio, que é Play Misty for Me/Destinos nas Trevas), fez com que, a pouco e pouco, se tornasse um actor quase exclusivo dos seus próprios filmes. A sua interpretação em As Voltas da Vida, assumindo a personagem de um “olheiro” de jovens jogadores da baseball, veio mesmo interromper um longo período em que apenas surgiu em títulos que também dirigiu: a última vez que integrara o elenco de um filme de outro realizador ocorrera em 1993. Além do mais, em anos recentes, depois de Gran Torino (2008), Eastwood realizou três filmes em que não participou como actor: Invictus (2009) Hereafter – Outra Vida (2010) e J. Edgar (2011).
Quando foi anunciada a produção de As Voltas da Vida, alguns rumores garantiam que se tratava de uma derradeira escolha de Eastwood. Ou seja: ele assumiria esta personagem como a última interpretação da sua carreira, quase um testamento simbólico, passando a dedicar-se apenas à realização. Nada disso foi posteriormente confirmado, mas é inevitável reconhecer que há na sua personagem um tom de desencanto e paradoxal ironia que não pode ser separado dessa arte difícil, mas incontornável, que consiste em saber envelhecer. Nesta perspectiva, pode mesmo dizer-se que As Voltas da Vida reencena o carácter implacável do tempo, tema dramático que pode ser claramente identificado na trajectória de Eastwood pelo menos desde que interpretou e dirigiu Bronco Billy (1980), centrado na decadência de uma vedeta de um circo temático sobre o velho Oeste.
Curiosamente, As Voltas da Vida é também um filme que ilustra a longevidade e a consistência de Eastwood na área da produção. Isto porque se trata de mais um título com chancela da sua casa de produção, a Malpaso (como sempre associada aos estúdios da Warner), estreando na realização o nome de Robert Lorenz. Em todo o caso, Lorenz está longe de ser um principiante. Depois de ter trabalhado como assistente de Eastwood, desde As Pontes de Madison County (1995), transformou-se numa figura fundamental da dinâmica da Malpaso, das rodagens até ao marketing. Veio mesmo a assumir várias vezes as funções de produtor, de Mystic River (2003) até J. Edgar. E talvez não seja exagero supor que, graças à direcção de Lorenz, Eastwood possa vir a ter mais uma nomeação para o Oscar que nunca ganhou: o de melhor actor.