Iniciamos hoje a publicação de uma entrevista com Andrew Bird realizada por ocasião da sua mais recente atuação em Lisboa e da edição de um novo EP. A entrevista serviu de base a um artigo publicado no DN.
Como deixava entender no documentário Andrew Bird: Fever Year, uma digressão é coisa de agenda intensa e cansativa. O que faz um musico querer ir todas as noites para o palco mesmo esgotado e com a vida feita num farrapo?
Estar no palco é algo de viciante. Quando se está em digressão sente-se que a nossa existência tem uma razão de ser. Cada vez que deixo Chicago para entrar em digressão sinto que há peso a sair aos meus ombros. A cada novo dia sei que estarei numa nova cidade e tudo envolve uma combinação do conhecido e do desconhecido. Mas é muito cansativo, isso é verdade.
Consegue conhecer os lugares por onde passa para atuar? Ou a rotina não lhe dá espaço para fugas?
Tento sair para ver o que faz cada cidade ser o que é. Levo comigo uma bicicleta e saio... Não gosto daquela sensação de imaginar que posso estar num sitio qualquer. Nada disso. Sinto que os lugares são distintos entre si. É fascinante. E é uma forma extraordinária de viver uma vida..
Leva depois algo desses lugares para o palco e eventualmente para futuras canções? Ou são experiências que ficam consigo?
Gostaria que isso acontecesse. Quando estou a escrever sem agenda, sem expectativas, tenho montes de ideias. Gosto de estar nesses lugares onde não tenha as rotinas diárias que se tem na cidade onde se vive. É uma existência fértil para a escrita. Eu não faço canções completas quando estou em digressão, mas consigo trabalhar bons começos. Ter boas ideias. Estar num lugar diferente todos os dias dá-nos um retrato mais vasto do mundo. Dá-nos outras perspectivas.
No filme que há pouco referia dizia que estar no palco tinha de ser algo verdadeiro. Ou seja, não é uma coisa que se dá enlatada, sugerindo assim que o concerto é como a partilha de um momento único...
Isso é o que tento fazer a cada noite e é verdade que consome muita energia. Tentar olhar para nós mesmos e tentar não entrar num padrão. Evitar o padrão. E como se faz isso quando se dá um concerto a cada dia? Mas em cada um tentamos fazer algo diferente que mantenha a banda alerta a ouvir o que estamos a fazer. Tentar procurar algo pessoal. Creio que a razão de uma existência tem a ver com o que estou a dizer. Cada dia é como uma luta que, esperamos, acabe sempre em triunfo. O que nem sempre acontece. Isto alimenta algo na minha personalidade.
Sente que é outra pessoa quando está fora do palco?
São realidades muito diferentes entre si. Quando estou em casa, a escrever, fico mais introvertido. Em palco tenho de me projetar para fora. São climas e modos de estar muito diferentes
Qual envolve mais esforço? E qual lhe é mais natural?
Creio que sou classicamente mais introvertido. As atuações são as exceções na minha vida onde sou como me mostro. Nunca o compreendi... Sempre fui calmo e tímido. Mas nos dias de escola, quando me punha em frente da turma para, por exemplo, falar de um livro, ficava mais composto e as pessoas estranhavam. Porque normalmente era calado. A dada altura fui até metido numa classe especial para crianças mais lentas. E porquê? Porque estava sempre muito dentro do meu mundo... E aquele contraste não fazia sentido para os meus professores. Ainda hoje penso nisso. Como músico sinto que tenho a profissão perfeita para alguém que gosta de evitar as pessoas. Ou seja, lido com as pessoas à minha maneira. E poucos têm uma desculpa tão boa como a minha para não ter de falar com pessoas.
(continua)