Com a sua nova longa-metragem, Frankenweenie, em 3D, Tim Burton aposta em revisitar e reinventar o seu próprio trabalho, retomando temas e personagens de uma curta-metragem de 1984 — este texto foi publicado no Diário de Notícias (17 Outubro), com o título 'Tim Burton reinventa o mito de Frankenstein'.
O novo filme de Tim Burton, Frankenweenie, é um objecto feito com pequenos bonecos animados em que o realizador retoma a história de um dos seus primeiros títulos, a curta-metragem homónima, rodada em 1984. Num caso como noutro, trata-se de propor uma variação insólita sobre o mito clássico de Frankenstein, gerado pelo romance de Mary Shelley publicado em 1818. Com duas diferenças importantes: primeiro, o cientista que aposta em criar vida no seu laboratório é agora uma criança solitária, na família e na escola, hiper-dotada para as ciências; além do mais, o ser “ressuscitado” no meio de relâmpagos e intricados circuitos eléctricos não é humano, mas sim... um cão!
Há uma ironia desconcertante em tudo isto. De facto, o estúdio produtor, Disney, reagiu muito mal à curta-metragem original, considerando que a ambiência mais ou menos macabra (ainda que plena de humor) era inadequada para o público infantil. Mais do que isso: Tim Burton foi despedido... Agora, regressa a Frankenweenie e, de novo, com chancela da Disney!
Como é óbvio, o realizador pode consumar este regresso a um dos seus temas mais queridos graças ao estatuto conquistado no interior da máquina de Hollywood. E não apenas por ter assinado uma série de filmes mais ou menos fantásticos e de grande sucesso (Batman, Batman Regressa, Marte Ataca!, etc.). Também porque o seu trabalho, quer como realizador, quer como produtor, tem sido marcado por uma ousada e inventiva capacidade de experimentação técnica.
Neste caso, o experimentalismo é paradoxalmente primitivo, uma vez que Tim Burton volta a aplicar a antiga técnica de stop motion, no essencial resultante da manipulação de figurinhas filmadas imagem a imagem, de modo a gerar a ilusão de movimento (A Noiva Cadáver, de 2005, era a sua experiência mais recente nesse domínio). Mais do que isso: respeitando a memória dos filmes antigos de Frankenstein (o primeiro, de James Whale, com Boris Karloff na figura do monstro, surgiu em 1931), Frankenweenie é uma produção a preto e branco, coisa que há muito se tornou uma raridade no catálogo dos grandes estúdios americanos.
Tim Burton poderá ser definido, afinal, como um criador quer conseguiu essa admirável proeza de manter uma sistemática relação de trabalho com os estúdios de Hollywood, “encaixando” sem complexos nos seus valores de espectáculo, sem nunca alienar a dimensão mais pessoal (e até confessional) de um universo sempre seduzido pelas atribulações da infância. Uma coisa é certa: desta vez, os estúdios Disney não o despediram.