domingo, outubro 21, 2012

Harvey Weinstein contra a Internet "livre"

Harvey Weinstein e, ao fundo, o seu irmão Bob
Desde os tempos heróicos da Miramax e, mais recentemente, com a Weinstein Company, os irmãos Harvey e Bob Weinstein são figuras incontornáveis de Hollywood e dos seus muitos cruzamentos com a produção independente. Recentemente, Harvey manifestou-se contra as formas correntes de "divulgação" do cinema na Internet — este texto foi publicado no Diário de Notícias (14 Outubro), com o título 'O cinema no mundo da Internet'.

Entre as notícias que a “crise” todos os dias secundariza (por vezes, não chegando a ser noticiadas...), incluem-se as recentes declarações do produtor americano Harvey Weinstein, numa conferência no Festival de Cinema de Londres, organizado pelo British Film Institute (BFI). Com um historial ligado a títulos como Pulp Fiction (1994), O Paciente Inglês (1996) ou O Discurso do Rei (2010), Weinstein apresentou um ponto de vista radical sobre a visibilidade do cinema na Internet. Segundo ele, gigantes mediáticos como a Apple ou Google estão a prestar um “mau serviço” aos cineastas e à indústria, a ponto de um site como o YouTube promover a divulgação arbitrária de conteúdos “sob o disfarce de uma Internet livre”. Para Weinstein, a legislação francesa, mais restritiva nas regras de difusão, e também mais severa nas punições aos infractores, é um modelo a ter em conta.
A indiferença global face a posições como a de Weinstein enraíza-se numa ideologia jornalística cada vez mais poderosa, instalada num valor fundamental: o de bloquear o espectador na noção redentora (?) segundo a qual tudo o que emana da “liberdade” da Internet é um bálsamo inocente, obrigatório e indiscutível. Repare-se no modo como a actualidade política portuguesa, desde logo nas televisões, passou a ser frequentemente enquadrada pelo que “aparece” nas “redes sociais”: não só ninguém questiona que conceito de sociedade se produz pelo próprio facto de estar em rede, como o que daí emana é tratado como uma verdade virginal cujas linguagens desfrutariam do privilégio da automática universalidade.
As palavras de Weinstein ajudam-nos, aliás, a reformular um tema actualíssmo: a cultura triunfante da “partilha” de conteúdos gerou uma imensa indiferença, quando não menosprezo, pelo lugar clássico dos filmes (a sala escura, hélas!), a ponto de haver muitos “espectadores” que reduziram a cinefilia a uma pueril partilha de... ficheiros.
Ainda assim, há vozes a discutir a ilusória transparência desta cultura de links e polegares. Não para anular as fascinantes auto-estradas de informação de que passámos a dispor; antes para introduzir um simples factor de distanciamento e reflexão. Num recente artigo na Newsweek (8 Out.), Katie Baker analisava a ideologia “libertária” de Mark Zuckerberg [foto], fundador do Facebook, e a crescente resistência ao seu marketing mais ou menos perverso: “(...) a desconfiança em relação às intenções do Facebook na protecção dos nossos dados é tão generalizada que seria cómica se não fosse tão perturbante.”
Dessa perturbação nos falava um dos grandes filmes deste nosso século XXI, precisamente sobre as origens do Facebook: A Rede Social (2010), de David Fincher. Também ele sofreu os efeitos de um preconceito automático contra Hollywood... Mas essa é uma questão muito mais antiga: ainda Zuckerberg não tinha nascido e já era “moda” denegrir o grande cinema americano.