A série Homeland/Segurança é um exemplo modelar de um registo de thriller que se vai transfigurando em subtil exercício de análise psicológica e especulação política — este texto foi publicado no Diário de Notícias (19 Outubro), com o título 'Na cabeça de Carrie Mathison'.
Carrie Mathison, a personagem central da notável série Homeland/Segurança Nacional (Fox), é uma agente da CIA que, na sequência de uma missão no Iraque, julga ter descoberto um traidor: um soldado americano que se terá convertido em espião da Al-Qaeda.
As coisas estão longe de ser tão lineares quanto este resumo poderá sugerir. Por um lado, porque depois de regressar aos EUA, o suspeito protagoniza uma fulgurante carreira política, tornando-se uma figura chave do círculo do vice-presidente; por outro lado, porque Carrie sofre de um distúrbio bipolar que a conduz a uma visão tendencialmente paranóica, em particular na avaliação do “seu” suspeito.
Os espectadores que estão a acompanhar a série (a segunda temporada começou há cerca de duas semanas) sabem já se as suspeitas de Carrie têm, ou não, fundamento. Em todo o caso, mesmo sem revelar tal facto, importa sublinhar que estamos muito para além de um banal mistério “policial”.
Criada por Howard Gordon e Alex Gansa, a série funciona como um antídoto contra a própria facilidade televisiva que, não poucas vezes, reduz as mais complexas tensões da geopolítica a anedóticas notas de rodapé (entre nós, nas últimas semanas, há mais “notícias” e muito mais transcendentes exercícios “filosóficos” sobre as eleições do Benfica ou o próximo treinador do Sporting...). Carrie leva-nos para um labirinto em que o intransigente combate contra o terrorismo não anula uma percepção multifacetada do mundo contemporâneo e, em particular, das relações entre a cena política e os dispositivos de defesa militar.
Entramos na cabeça de Carrie Mathison através da espantosa composição de Claire Danes (já distinguida com um Globo de Ouro e um Emmy), pedagogicamente distante de qualquer caução “feminista” que pudesse contaminar a personagem. Depois de ter sido emblema de uma certa iconografia “pós-romântica” da juventude, através do Romeu e Julieta (1996), de Baz Luhrmann, o seu trabalho reflecte agora uma admirável capacidade de evolução. E não é todos os dias que a televisão se assume assim: séria, adulta e salutarmente perturbante.