segunda-feira, setembro 24, 2012

Plano Nacional de Cinema: eureka!

O Garoto de Charlot (1921), de Charles Chaplin.
Aniki-Bobó (1942), de Manoel de Oliveira.
Shane (1953), de George Stevens.
Jaime (1974), de António Reis.
Eduardo Mãos de Tesoura (1990), de Tim Burton.
Eis alguns dos títulos incluídos no novíssimo Plano Nacional de Cinema [texto de Nuno Galopim, no DN], divulgado pelo ministério da Educação e da Ciência e a secretaria de Estado da Cultura.
É caso para dizer: eureka! Finalmente, um gesto no sentido de criar condições (práticas, logísticas, institucionais) para que as crianças e os jovens não sejam condenados a "aprender" a ler imagens & sons através de Morangos com Açúcar e outros horrores narrativos.
O efeito do Plano não será mágico, por certo. Haverá dúvidas, impasses, modos de aplicação que importa depurar. Seja como for, a sua simples existência representa um genuíno desafio à ditadura formal de alguns conteúdos televisivos "para os mais novos"... O texto que se segue foi publicado no Diário de Notícias (22 Setembro), com o título 'Para além da cultura dos morangos'.

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Tempos difíceis. Sob o aparato dos muito reais e dramáticos problemas de emprego, persiste uma profundíssima crise cultural que ninguém da classe política, à esquerda ou à direita, quer enfrentar. Ninguém? Quase ninguém... Através do ministério da Educação e Ciência e da secretaria de Estado da Cultura, o governo de Pedro Passos Coelho entra para a história por colocar em movimento um pensamento muito básico que a nossa democracia se deu ao luxo de ignorar durante décadas. A saber: é fundamental assumir a educação com as imagens cinematográficas (e, sobretudo, para as imagens cinematográficas) como uma missão básica da escola, visando crianças e adolescentes.
Nada a ver com uma cultura “geral” mais ou menos edificante. O que está em jogo é a necessidade política de reagir contra uma outra cultura das imagens que, todos os dias, vai instalando e instilando nos mais novos o pitoresco anedótico dos Morangos com Açúcar e os horrores do voluntarismo televisivo, desembocando no sinistro anti-humanismo de Big Brother e seus derivados.
A triunfante cultura do conflito (ainda e sempre de raiz televisiva) vai manifestar-se com o ruído em que se esgota. E não só porque brotarão da calçada centenas de listas “alternativas” para o Plano Nacional de Cinema... Quem se atrever a valorizar o bom senso desta iniciativa será excomungado como perigoso peão de um governo sobre o qual se tornou obrigatório “dizer mal” (aconteceu a mesmíssima coisa sempre que alguém tentou reflectir sobre algumas iniciativas de José Sócrates, nomeadamente o desenvolvimento da rede de salas digitais programado por Gabriela Canavilhas). Como diria o outro: que se lixem as difamações! Já era tempo de começar a dizer aos jovens que há mais mundos para além da tele-estupidez.