1. "Informe-se. Proteja-se do caos financeiro."
2. Estas palavras não foram ditas por nenhum comentador televisivo especializado, desses que parecem sempre empenhados em garantir-nos que vivemos alegremente no inferno (talvez tenham razão...). Também não provêm de nenhum debate de pesado moralismo pedagógico, desses que partem do princípio que o apocalipse já aconteceu, não tendo sobrado mais nada a não ser o altar televisivo... Nada disso: estão num anúncio de uma firma que vende ouro (Ouro Cash) e são proferidas por um profissional da rádio e do espectáculo (António Sala), identificado em nome próprio. São palavras que justificam uma breve reflexão.
3. Escusado será dizer que qualquer discussão sobre a firma citada e a pessoa que, publicitariamente, lhe dá voz é irrelevante — uma e outro estão a exercer direitos legítimos de promoção e trabalho.
4. A questão é outra. E tem a ver com o triunfante populismo que invadiu o espaço televisivo português. O que está em causa, insisto, não é a legitimidade do gesto nem a idoneidade seja de quem for. O que está em causa é esta banalização da televisão como confessionário do povo, a ponto de uma figura do entertainment vir assumir um discurso (publicitário) elaborado a partir de uma infeliz postura de aconselhamento "popular": "Olá, eu sou o António Sala e vejo o mundo em cada vez mais crises financeiras." Como? Importa-se de repetir?
5. Que a publicidade televisiva — e, claro, o próprio dispositivo televisivo — se assuma como aconselhamento ao domicílio, eis o que diz bem da visão do povo que, todos os dias, é injectada no espaço social. Qual é, então, o modo de existência, não apenas do povo em geral, mas de cada um de nós? Apenas um: estamos todos drasticamente ameaçados e precisamos de ser protegidos por quem se identifica (ou é identificado) como conselheiro popular — a televisão ou o caos, eis a religião triunfante.