Iniciamos hoje a publicação de um texto que assinala os 40 anos da edição de 'The Rise and Fall of Ziggy Stardust and The Spiders' de David Bowie e que procura verificar que impacte teve o disco no panorama social e artístico do seu tempo. O artigo foi originalmente publicado a 30 de junho de 2012 no suplemento Q. do DN com o título 'Como um 'alien' mudou Bowie e ajudou a transformar a sociedade.
Em janeiro de 1970 um estúdio de gravação em Londres acolhe um par de músicos numa sessão conjunta. Ambos têm já discos editados e um deles, David Bowie, acabara de ver o seu Space Oddity transformado num primeiro momento de sucesso. É ele quem lidera os trabalhos nessa sessão, na qual grava o sucessor desse single: uma canção com o título The Prettiest Star. A seu lado, juntando sons de uma guitarra, está Marc Bolan (1), que se preparava para editar um novo álbum pela sua banda: os Tyrannosaurus Rex. A sessão acaba, segundo se conta (2), com a mulher de Bowie a dar a entender que o marido seria bom demais para tocar no disco de Bowie. Ninguém imaginaria então que, dois anos depois, seriam as maiores estrelas do panorama pop/rock britânico, abrindo alas a um movimento que neles encontrou dois importantes paradigmas. Chamaram-lhe glam rock. Como tantos outros movimentos criados pela cultura popular gerou um momento, brilhou, esmoreceu e semeou descendência. Mas como poucos teve um impacte profundo na sociedade, abrindo espaços para importantes mudanças de costumes, sobretudo nos planos da sexualidade e da identidade de género.
1972 será o ano da mudança. Até lá (e depois do instante vivido ao som de Space Oddity) David Bowie cruzará nova etapa de trabalho perante relativa indiferença. Diferente contudo dos dias que conhecera quando em 1962 militara nos Kon-Rads (a sua primeira banda) e nos primeiros singles editados ainda sob o seu nome real, David Jones, em meados de 60. Seguira-se, em 1967, David Bowie, um primeiro álbum a solo mais próximo de uma curiosidade pelas heranças de um certo teatro musical que da cultura rock’n’roll e, em 1969, Space Oddity, que assimila ecos da cultura folk e hippie e lhe dá o primeiro episódio de grande visibilidade. Edita depois The Man Who Sold The World (1970), onde escuta outros dados na música elétrica e concebe, em Hunky Dory (1971) uma primeira obra-prima que passa então longe das atenções mas que o tempo acabaria por reconhecer.
Parte da responsabilidade da falta de reconhecimento da sua obra até então “tinha a ver com o facto de até então David Bowie ter seguido as tendências”, defende Ken Scott (3), o produtor que com ele trabalhou entre 1971 e 73 em recentes declarações ao DN. “Mesmo com Space Oddity ou The Man Who Sold The World ele não era dono do seu destino. Mas o Tony [Visconti] (4) era. Até porque era um membro da banda, e por isso controlava a forma como a música surgia”, justifica. Ken Scott acredita que, “terá sido por isso” David Bowie o convidou para co-produzir novas gravações. “Ele queria as suas ideias. E a única forma que lhe pareceu de o fazer foi escolher um produtor menos musical. Porque eu venho de um background mais técnico. Tinha ideias musicais, mas ele podia lançar as suas como entendia. E o que se passou é que, pouco tempo depois era ele quem ditava como as coisas avançavam, era ele a ter seguidores e não o que seguia”, recorda. Ken Scott acrescenta ainda que este cenário não era inédito: “Os Beatles tiveram, de fazer o mesmo. E levou-lhes um tempo. E isso é um pouco o que está a faltar hoje. Muitos artistas não têm essa capacidade para esperar, aprender e lançar o que é seu”, defende. O que fez, então, a diferença?
1 – Marc Bolan (1947-1977) Músico britânico e um dos pioneiros do glam rock, sobretudo quando forma os T-Rex. Colaborou com Bowie na gravação de The Prettiest Star e durante anos foram depois grandes rivais. Voltaram a encontrar-se num programa de televisão em 1977, no qual Bolan convidou Bowie para um dueto.
2 – Ver Glam! Bowie, Bolan and the Giltter Rock Revolution, de Barney Hoskins (Faber and Faber, 1998), pág 10
3 – Ken Scott (n. 1947) Engenheiro de som e produtor, trabalhou com nomes como os Beatles, Elton John ou Duran Duran. Com David Bowie trabalhou na gravação dos álbuns Hunky Dory, The Rise and Fall of Zifggy Stardust and The Spiders From Mars, Pin Ups e Aladdin Sane.
4 – Tony Visconti (n. 1944) Músico e produtor, tem o seu nome em créditos de álbuns de nomes dos T-Rex aos Sparks ou Adam Ant. Com David Bowie produziu Space Oddity (1969), The Man Who Sold The World (1970), David Live (1974), Young Americans (1975), Low (1977), Heroes (1977), Stage (1978), Lodger (1979), Heathen (2001) e Reality (2003)