sexta-feira, agosto 10, 2012

Helsínquia, 1952




Foi o ano da estreia olímpica da URSS, da República Popular da China e de Israel. E o das três lendárias vitórias do fundista checo Emil Zatopek, que, já medalhado em Londres quatro anos antes, venceu as medalhas de ouro nos 5000 e 10000 metros e também na maratona.

Foram muito perto de 5 mil os atletas que disputaram as 149 provas em 17 modalidades. Os EUA arrecadaram 76 medalhas (40 de ouro), seguidos pela estreante URSS com 71 (22 de ouro) e Hungria com 42 (16 de ouro). Portugal venceu uma medalha de bronze na vela.

Zatopek (esq.) e Gorno, depois da maratona em 1952
A figura de Emil Zatopek (não esquecendo as memórias das suas participações olímpicas) é recordada no espantoso Correr, do francês Jean Echenoz que a Cavalo de Ferro lançou em tradução portuguesa. Não é necessariamente uma biografia no mais estrito sentido da palavra, nem uma ficção absoluta, as fronteiras de género diluindo-se um pouco como, nos últimos tempos, temos observado interessantes sinais de diálogo e e troca entre os universos da ficção e do documentário nos espaços do cinema. E propõe um olhar que não esconde uma perspetiva crítica na evolução da relação do atleta com o poder.

O livro evoca a vida de Zatopek. Recorda as memórias de infância, quando o pequeno Emil vê a sua terra invadida pelos alemães. Os primeiros tempos de uma vida profissional que cedo se mostrou desadequada ao que dele esperavam, o prazer pessoal na corrida (onde não imaginava um futuro, muito menos numa ideia de competição) começando por ser coisa na periferia das suas atenções, aos poucos ganhando fôlego e protagonismo, até que chegam as vitórias, as medalhas, a fama e as promoções no exército, no qual faz carreira. Echenoz faz-nos acompanhar o percurso desportivo, olhando tanto os métodos de treino, táticas em corrida e a evidente contemplação de um corpo invulgarmente capaz de suportar o esforço e o sofrimento. Mas mais interessante que a sucessão de desafios, corridas e medalhas é o foco (igualmente protagonista) que o livro centra na relação do atleta e dos seus feitos com o poder comunista que toma forma na Checoslováquia do pós-guerra. Observa a sua utilização como embaixador de propaganda. E, depois de tomar partido com as forças críticas que tentaram as reformas numa “primavera” em 1967 e da chegada, mais tarde, dos tanques soviéticos para repor uma ordem (que pouco mais de vinte anos depois cairia de vez), lembra como o regime, novamente de costas quentes, vota o herói de outros tempos a uma vida de trabalho nas minas de urânio e, pouco depois, na recolha do lixo.