Em janeiro deste ano Toh EnJoe, um físico de 30 anos que abandonou a carreira de investigação em 2007 para trabalhar durante um ano como programador numa empresa de software, passando depois a dedicar-se a tempo inteiro à escrita, tornou-se num dos mais recentes vencedores do Prémio Akutagawa. Instituído em 1935, o prémio é atribuido duas vezes por ano à melhor narrativa literária publicada no Japão em jornais ou revistas por um autor estreante ou em início de carreira. O prémio celebra assim, 85 anos depois da sua morte, a vida,a obra e a enorme contribuição para a história da literatura japonesa de Ryunosuke Akutagawa (1892-1927).Um autor que, pela primeira vez é traduzido entre nós.
Na contracapa de Rashomon e Outras Histórias (que a Cavalo de Ferro publica com tradução de Virgílio Tenreiro Viseu), lemos uma citação de Haruki Murakami (talvez o escritor japonês contemporâneo mais editado entre nós) onde nos diz que vê Akutagawa como parte da “fundação intelectual” japonesa. Apontado como o “pai do conto japonês” e descrito como um dos primeiros estilistas da literatura do seu país, era um perfecionista, interessado pela exploração do macabro (mas também do belo), capaz de dominar o cinismo e o humor, dotado de um raro sentido de originalidade, muitas vezes cruzando heranças de lendas medievais com a era moderna. Não se ia dar nome de prémio a qualquer um!
Rashomon e Outras Histórias é uma coleção de contos e abre com a pequena história que lhe dá título. É um título familiar, até porque deste conto partiu o realizador Akira Kurosawa para dar nome um filme seu de 1950 (ver em baixo). “Era de noite e um humilde servo sentou-se sobre o Rashomon à espera que a chuva terminasse”, começa o conto... O Rashomon não é senão um grande portão, à entrada da cidade, onde Akutagawa coloca as suas personagens e uma estranha história numa noite de chuva. Kurosawa na verdade leva deste conto apenas o cenário. Porque, mesmo numa adaptação livre, o seu filme explora mais a narrativa e as personagens de Num Bosque de Bambu, conto de 1921 que também encontramos neste volume. Ambos os contos baseiam-se em histórias do século XII e integram o mundo de figuras e lugares que encontramos numa escrita que, noutras ocasiões, visita os tempos do próprio autor e as grandes confrontos políticos e ideológicos do seu tempo. Já em O Nariz (publicado em 1916) encontramos a expressão de um interesse pelo fantástico, aqui ao serviço de um conto moral.
Esta edição da Cavalo de Ferro tem um cuidado extremo (amigo do leitor, podemos dizer) no modo como, através de notas de rodapé, contextualiza nomes, lugares, tradições, referências. E junta, nas páginas finais deste volume, uma cronologia do próprio autor. A sua narrativa de vida é complexa, sofrida (a mãe enlouquece quando é ainda muito pequeno e Ryunosuke é criado pelos tios) e tem remate trágico, terminando por suicídio aos 35 anos de idade.