quinta-feira, agosto 23, 2012

Bourne depois de Bourne

A saga de Jason Bourne deixou de ter... Jason Bourne. E as boas ideias (de argumento) estão limitadas pelas más rotinas (da franchise) — este texto foi publicado no Diário de Notícias (22 Agosto), com o título 'Os gestores contra os artistas'.

Nos tempos clássicos, a definição de “género” não era arbitrária: quando se dizia comédia, drama ou policial, sabia-se que se tratava de satisfazer um conjunto específico de regras (eventualmente questionadas no interior do próprio filme, mas isso é outra questão). Hoje em dia, os géneros deram lugar às franchises. E as conotações financeiras da palavra franchise estão longe de ser inocentes: o conceito industrial dos estúdios foi vencido pela tecnocracia dos gestores.
Não se fizeram já grandes filmes no interior de franchises? Claro que sim (e o exemplo de Os Salteadores da Arca Perdida, de Steven Spielberg, será suficiente para o provar). Mas o caso de O Legado de Bourne, quarto título da série “Bourne”, está longe de ser dos exemplos mais felizes.
Provavelmente, está aqui uma das melhores sequências dos quatro filmes produzidos (estou a pensar no tiroteio no laboratório, tanto mais inquietante quanto surge encenado do ponto de vista da personagem de Rachel Weisz, que sabe tanto ou tão pouco quanto o espectador). O certo é que o filme convoca o tema nada banal da manipulação química dos agentes secretos para, a pouco e pouco, o reduzir a coisa dramaticamente irrelevante. Triunfa, por isso, uma desagradável hipocrisia narrativa que tem a sua expressão máxima na disparatada perseguição de motos que ocupa quase toda a meia hora final.
Por que é que essa perseguição lá está? Porque assim o impõe a lógica da franchise: tem de haver uma cena de perseguição... porque sim. A desilusão é tanto maior quanto, desde os actores (Weisz, Jeremy Renner, Edward Norton, etc.) até ao notável director de fotografia (Robert Elswit), O Legado de Bourne inclui contribuições profissionais de invulgar talento. Os artistas mereciam melhores gestores.