Infelizmente, é verdade que, ao longo dos anos, a reflexão dos profissionais de cinema portugueses sobre a televisão (e, em particular, sobre a RTP) tem estado longe de ser um fenómeno avassalador — por vezes, perante a indiferença de alguns desses profissionais, parece mesmo prevalecer um imaginário "purista" que acredita que uma coisa (os modelos televisivos) nada tem a ver com a existência e a percepção da outra (a criação cinematográfica).
Há excepções, claro. António-Pedro Vasconcelos tem sido uma das vozes contra a indiferença. Podemos, evidentemente, concordar mais ou menos com as suas argumentações e pontos de vista. Mas no seu discurso persiste uma saudável vontade de pensar a dramática conjuntura a que fomos conduzidos, em grande parte através de uma outra indiferença, a da generalidade da classe política, a meu ver ainda mais chocante. Como APV já disse, com admirável contundência: "sem RTP ficaríamos com a televisão mais reles do mundo".
Agora, depois do anúncio da possibilidade (?) da RTP ser "concessionada a operadores privados", APV vem chamar a atenção para aquilo que considera um "atentado contra o serviço público de televisão", apelando mesmo a uma intervenção do Presidente da República.
Pessoalmente, tenho sérias dúvidas que o PR venha a esboçar o mais pequeno gesto para intervir no processo. E não apenas porque os formalismos constitucionais que enquadram o seu espaço de intervenção (seja quem for o eleito a ocupar o Palácio de Belém) redundam, quase sempre, numa retirada de elegante moralismo; sobretudo porque a esmagadora maioria da classe política portuguesa assistiu, em lamentável silêncio, ao longo de duas décadas, à festiva degradação populista do espaço televisivo.
Seja como for, registe-se o facto de alguém não desistir de sublinhar o essencial: a televisão, hélas!, está no centro da coesão social e da dinâmica cultural de qualquer país (sugere-se também a leitura de outras reacções, nomeadamente de Emídio Rangel, Arons de Carvalho, e ainda de CDS-PP e PCP). Não se trata, nunca se tratou, de organizar a televisão para, depois, discutir a... cultura. Nada disso: a televisão é a primeira e a mais urgente das questões culturais.